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Cérebros em harmonia

Pesquisadores constatam, pela primeira vez, sincronia neuronal entre terapeuta e paciente durante sessão de musicoterapia.A abordagem tem sido cada vez mais usada para complementar tratamentos diversos, dos médicos aos psicológicos

postado em 04/08/2019 04:06


Nem sempre o remédio para patologias do corpo e da mente vem embalado em cápsulas. Parte dos rituais de cura de populações tradicionais em diversas regiões do globo, e indicada por filósofos gregos como remédio da alma, a música integra o arsenal de terapias disponíveis para o tratamento complementar das causas e dos sintomas de problemas diversos ; desde transtornos do desenvolvimento a demências e cânceres.

Agora, um estudo britânico mostra os efeitos dessa abordagem no cérebro de terapeutas e pacientes. Segundo os autores, é a primeira vez que se comprova que, durante a prática, há uma sincronia neuronal entre ambos, mostrando que a música os conecta no processo de busca pelo objetivo comum ; nesse caso, a resolução de uma patologia ou deficiência.

J;rg Fachner é professor de ciências da música, da saúde e do cérebro do Instituto de Pesquisa de Musicoterapia da Universidade Anglia Ruskin, em Cambridge. Há 20 anos, ele é musicoterapeuta, trabalhando especialmente com depressão e neurodegenerações, e também pesquisador da área, com foco nas mudanças neurais da consciência durante a percepção musical. Autor de diversos estudos sobre o tema, Fachner decidiu estudar o cérebro de terapeutas e pacientes durante uma sessão de um dos muitos métodos da musicoterapia. Para tanto, utilizou um procedimento chamado hiperescaneamento, que registra a atividade cerebral de duas pessoas simultaneamente.

Na sessão, uma terapeuta e uma paciente usaram toucas de encefalograma (EEG) contendo sensores que capturaram os sinais elétricos do cérebro. Ao mesmo tempo, a prática foi gravada em vídeo. Enquanto tocava uma música clássica, a paciente discorria sobre a doença grave de um familiar. Em determinado momento, o hiperescaneamento mostrou que a atividade cerebral da mulher havia sofrido uma alteração, passando de sentimentos negativos para positivos.

Pouco tempo depois, quando a terapeuta percebeu que o trabalho estava funcionando, o exame do cérebro registrou um padrão semelhante, indicando sintonia com a paciente. Em entrevistas individuais posteriores, tanto a especialista quanto a mulher admitiram que o momento apontado pelo EEG foi exatamente aquele em que elas sentiram que a sessão estava funcionando bem.

Emoções
Além disso, a equipe liderada por Fachner examinou a atividade cerebral das regiões do lobo frontal direito e esquerdo, onde as emoções negativas e positivas são processadas, respectivamente. O conjunto dessa análise, da gravação de vídeo e dos dados do hiperescaneamento, revelou, segundo o musicoterapeuta, que, de fato, há uma sincronia cerebral entre o profissional e o paciente. Ele explica que, embora isso seja perceptível para quem pratica a musicoterapia, não havia, até agora, um registro neurológico dessa sincronia, importante para que o terapeuta consiga identificar o sucesso da sessão em um tipo de tratamento no qual nem sempre a verbalização por parte do paciente é possível.

Esse é, aliás, um dos diferenciais da musicoterapia, diz Fachner. ;A música é a linguagem das emoções. Então, a forma como você diz algo na música é diferente de quando se usa palavras. Se você está lidando com algo muito complexo, como uma emoção que não consegue expressar, pode ser que não consiga falar sobre ela. Mas pode ser que se expresse de maneira muito mais sensitiva em um instrumento de percussão, por exemplo, mostrando o que está dentro dela e que não se pode trazer para fora com palavras. Isso é o que faz da música uma ferramenta incrível para se expressar;, afirma Fachner, que publicou os resultados do estudo na revista Frontiers in Psychology.

Na avaliação do pesquisador, o trabalho vai ajudar a compreender melhor as interações do musicoterapeuta com o paciente. ;Esse estudo é um marco na pesquisa da área. Os terapeutas reportam mudanças emocionais e conexões nas sessões, e conseguimos confirmar isso usando dados do cérebro.;


"A música é a linguagem das emoções (;) Isso é o que faz
da música uma ferramenta incrível para se expressar;

J;rg Fachner, pesquisador do Instituto de Pesquisa de Musicoterapia da Universidade Anglia Ruskin


Três perguntas para

FERNANDO LUZ, MUSICOTERAPEUTA E MEMBRO DA DIRETORIA DA ASSOCIAÇÃO DE MUSICOTERAPIA DO DF

Qual o princípio da musicoterapia?
Temos várias definições, que variam de acordo com a visão do terapeuta e a necessidade do paciente. Mas, para mim, a musicoterapia é a utilização da música e dos elementos da música, como o ritmo, a melodia, como um intermediário, algo com o que você conseguirá alcançar o seu paciente. Isso é usado em um processo terapêutico visando sempre os objetivos.

Quem mais se beneficia dessa abordagem?
Podemos ter sucesso em vários campos. Alguns exemplos seriam o sistema sensoriomotor, a comunicação, o controle ou as expressões das emoções, as relações interpessoais, a criatividade, as mudanças de comportamentos, a cognição, a percepção, as mudanças fisiológicas (respostas musculares, ondas cerebrais, respiração mais consciente, funções neurológicas) e psicofisiológicas. Também se observa relaxamento e atenuação nos níveis de dor e de tensão, entre outros.

O autor diz, no artigo, que o musicoterapeuta costuma
compartilhar das emoções dos pacientes durante as sessões.
O senhor acha importante que exista essa sincronia?

O musicoterapeuta partilha das emoções do paciente até certo ponto. Não é que ele vá sentir exatamente o que o paciente está sentindo, mas ele terá uma noção do que o paciente está passando. Isso se dá de várias formas; às vezes verbal, às vezes, não verbal. Quando não é de uma forma verbal, você consegue notar pelo andamento que o paciente está tocando o instrumento, pela intensidade do som, a melodia que ele escolhe... Assim, você consegue perceber relaxamento, ansiedade, preocupações... Isso tudo pela forma que a pessoa está tocando o instrumento. Quando falo instrumento, pode ser o próprio corpo, pode ser a percussão corporal ou a própria voz.

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