Agência France-Presse
postado em 05/08/2019 09:55
O governo da Índia anunciou nesta segunda-feira (5) a revogação da autonomia constitucional da Caxemira, uma decisão explosiva que pretende colocar sob sua tutela mais direta esta região rebelde reivindicada pelo Paquistão.A medida, estipulada em um decreto presidencial aprovado pelos nacionalistas que governam o país, foi anunciada pelo ministro do Interior, Amit Shah, no Parlamento e gerou protestos da oposição.
A decisão pode provocar uma revolta no vale de Srinagar, de maioria muçulmana. Muitos habitantes desta região do Himalaia são hostis à Índia e estão comprometidos com sua autonomia, que prevalecia desde o início da república federal indiana há sete décadas.
O Paquistão respondeu de maneira imediata e condenou "fortemente" a decisão. "Nenhuma medida unilateral do governo indiano pode modificar este estatuto contestado", afirmou o ministério das Relações Exteriores.
"Como parte desta divergência internacional, o Paquistão fará tudo o que estiver a seu alcance para contra-atacar as medidas ilegais", completou o ministério em um comunicado.
Os militantes do partido Bharatiya Janata (BJP), do primeiro-ministro Narendra Modi, e os canais de televisão nacionalistas elogiaram a decisão "histórica" que marca a integração completa da Caxemira à Índia.
Líderes políticos da Caxemira e da oposição criticaram o fato desta reforma na Constituição ter acontecido sem debate parlamentar ou público.
Para evitar distúrbios, o governo indiano mobilizou nos últimos dias mais de 80.000 agentes na região, que normalmente já é muito militarizada.
Os moradores da Caxemira ficaram isolados nesta segunda-feira, os meios de comunicação foram bloqueados, as saídas foram bloqueadas, assim como as concentrações públicas. As escolas foram fechadas.
O estatuto especial
"O decreto presidencial entra em vigor imediatamente e substitui de modo imediato" os artigos constitucionais relativos a Jammu e Caxemira, especialmente o 370, afirma o texto divulgado pelo governo.
O artigo 370 da Constituição indiana concedia um estatuto especial ao estado de Jammu e Caxemira, com grande margem de manobra para sua administração.
O texto autorizava o governo central de Nova Délhi a legislar apenas nas áreas de Defesa, Relações Exteriores e Comunicação nesta região. Os demais setores dependiam da assembleia legislativa local.
O governo de Modi também apresentou ao Parlamento um projeto de lei para dividir Jammu e Caxemira, da qual será separada a parte leste, Ladakh, de maioria budista.
O restante, que compreenderá as planícies de maioria hindu de Jammu no sul e o vale predominantemente muçulmano de Srinagar no norte, perderá o estatuto de estado da federação e passará à administração direta de Nova Délhi, praticamente sem nenhuma autonomia.
Este projeto de lei deve ser aprovado pelo Parlamento indiano, onde o BJP e seus aliados têm maioria absoluta.
A revogação da autonomia da Caxemira era uma promessa de campana dos nacionalistas de Narendra Modi, recentemente reeleito para um segundo mandato.
A Caxemira está dividida de fato entre Índia e Paquistão desde a independência do império colonial britânico em 1947. Os dois países protagonizaram duas guerras por esta região montanhosa.
Uma insurreição separatista teve início em 1989 na Caxemira indiana e matou mais de 70.000 pessoas, principalmente civis. Nova Délhi acusa Islamabad de apoiar os grupos armados que operam no vale de Srinagar, o que o Paquistão nega.
"Hoje é o dia mais negro da democracia indiana. Isto terá consequências catastróficas para a região", tuitou o ex-dirigente do governo de Jammu e Caxemira, Mehbooba Mufti.
"Vai acontecer uma reação muito forte na Caxemira. Já existe um estado de agitação e isto vai apenas piorar a situação", declarou à AFP Wajahat Habibullah, ex-alto funcionário do governo local.
Uma fonte das forças de segurança informou que o Paquistão convocou uma reunião dos comandantes do exército para terça-feira.