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Trump condena a supremacia branca

Presidente defende que o controle de armas deve estar atado à reforma da imigração e, pela primeira vez, liga matanças no Texas e em Ohio ao racismo. Obama denuncia retórica que alimenta o medo. México quer julgar autor do ataque em El Paso

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 06/08/2019 04:05
Moradores de El Paso, no Texas, oram diante de cruzes com os nomes dos mortos no massacre de sábado: autor publicou manifesto racista na internet
Ex-Grande Dragão Branco da Ku Klux Klan (KKK) na Califórnia e líder da White Aryan Resistance (;Resistência Ariana Branca;), Tom Metzger demonstrou desprezo ante as primeiras reações do presidente Donald Trump a dois massacres que deixaram 31 mortos em um intervalo de 13 horas, no último sábado. ;Eu não me importo com o que Trump quer. Meus amigos também não. Nós nos importamos com o que a classe branca racialmente consciente deseja;, afirmou ao Correio, por e-mail. Pela primeira vez, o magnata republicano atacou os supremacistas brancos, como Metzger, e assegurou que ;o ódio não tem lugar na América;. ;Em uma só voz, nossa nação deve condenar o racismo, o fanatismo e a supremacia. Essas ideologias sinistras devem ser derrotadas. O ódio distorce a mente, destrói o coração e devora a alma;, declarou.

Segundo Trump, Patrick Wood Crusius, o homem de 21 anos apontado como o autor do massacre de 22 pessoas em um centro comercial de El Paso, no Texas, publicou um manifesto na internet consumido por racistas. ;Nós devemos reconhecer que a internet tem fornecido uma via perigosa para radicalizar mentes perturbadas e para realizar atos dementes;, disse. Em Dayton, no estado de Ohio, Connor Betts, 24 anos, invadiu um bar disparando um fuzil automático e matou nove frequentadores, incluindo a própria irmã. Não há evidências se essa chacina teria motivações raciais. ;Essas matanças bárbaras são... um ataque contra uma nação e um crime contra a humanidade;, acrescentou o presidente, que visitará El Paso amanhã.

Trump pregou a necessidade de reforma da legislação de saúde mental para identificar indivíduos perturbados. ;A doença mental e o ódio apertam o gatilho, não a arma;, afirmou. Ele ordenou ao Departamento de Justiça que proponha legislação para garantir a pena de morte aos autores de crimes de ódio e de asssassinatos em massa.

Por volta das 8h30 de ontem (9h30 em Brasília), Trump se manifestou de forma supreendente e polêmica no Twitter. ;Republicanos e democratas devem se unir e obter fortes verificações de antecedentes, talvez unindo essa legislação com a desesperadamente necessária reforma da imigração. Nós devemos ter algo bom, se não ótimo, saindo desses dois trágicos eventos;, afirmou, ao citar El Paso e Dayton. Para Susan Schmidt-Orfanos, cujo filho é uma das 12 vítimas de um tiroteio em massa em Thousand Oaks, em 2018, a ilação de Trump é sem sentido. ;Não existe relação entre a imigração e a violência armada. A maior parte dos tiroteios em massa é cometida por homens brancos. O homem que matou nosso filho não era imigrante, mas um jovem homem branco;, disse à reportagem. Tom Metzger aposta que o discurso do presidente incitará as pessoas a comprarem muito mais armas, por verem nisso uma política de Estado. ;Quanto maior a integração de imigrantes, mais armas;, advertiu.

O ex-presidente Barack Obama divulgou um comunicado, ontem, no qual enviou um recado a Trump, sem citar diretamente o sucessor. ;Nós deveríamos rejeitar por completo a linguagem que sai da boca de qualquer um dos nossos líderes que alimente um clima de medo, ou normalize os sentimentos racistas.; Segundo ele, tal linguagem não é nova, e tem estado na raiz da maioria das tragédias humanas, ao citar a escravidão, o Holocausto, o genocídio em Ruanda e a limpeza étnica nos Bálcãs. ;Ela não tem lugar em nossa política e na vida pública.;


Reforma moral
Professor de direito constitucional da Universidade de Denver, David Kopel crê que, a longo prazo, a civilização ocidental precisa de uma ;reforma moral da sociedade;. ;Precisamos reduzir o número de pessoas socialmente isoladas, com doenças mentais não tratadas, as quais apostam que o caminho para se tornarem famosas é promovendo matanças. O financiamento para serviços de saúde mental é uma boa ideia, mas a reforma moral tem de vir da sociedade; ela está além do poder do governo;, opinou ao Correio.

O México confirmou que oito cidadãos do país morreram no ataque em El Paso. O chanceler Marcelo Ebrard estuda denunciar por terrorismo Crusius e não descarta pedir a extradição do autor do massacre. ;Será uma decisão a ser tomada no devido momento, mas que ninguém se surpreenda, porque, para o México, esse indivíduo é um terrorista.; Memoriais com velas, flores, balões e cartazes com mensagens de condolências foram improvisados do lado de fora do supermercado Walmart, no Texas, e do bar de Dayton.


Ex-Ku Klux Klan

;Trump deveria se preocupar com a carnificina provocada pelo complexo militar industrial dos EUA em muitos países. Ele está preocupado com 20 mortos no Texas. E em relação aos 50 mortos em Chicago? Em cada cidade dos EUA negros estão matando negros às centenas. Não vejo o governo fazer nada para impedir isso. A violência racial branca é
infinitesimal em comparação com a violência não branca.;


Tom Metzger, ex-Grande Dragão da Ku Klux Klan (KKK) na Califórnia e líder da White Aryan Resistance (;Resistência Ariana Branca;)


O que pensa quem perdeu o filho?


Susan Schmidt-Orfanos, mãe de Telemachus Nicholas Orfanos (foto), 27 anos, morto em 7 de novembro de 2018 em Thousand Oaks (Califórnia). O veterano de guerra Ian David Long, 28, matou Telemachus e 11 pessoas em um bar da cidade

;A causa da violência armada nos Estados Unidos é o fácil acesso às armas, e as mais danosas são os fuzis de assalto. São armas de destruição em massa. Nossas famílias estão sendo assassinadas. Existe um projeto de lei para verificação de antecedentes universais que está bloqueado pelo Senado. Muitos políticos deste país são covardes e não deterão a carnificina. Eles foram pagos para não fazê-lo pelos fabricantes de armas e de munições, por meio da NRA (Associação Nacional de Rifles). Nossa família, assim como muitas outras, sofre todos os dias.
E agora, mais se juntaram a nós. Ninguém está isento dessa dor. Há tantas crianças...;


Duas perguntas para


David Kopel, professor de direito constitucional da Universidade de Denver

Trump condenou a supremacia branca. Como o senhor vê essa mudança de posição?
Suas palavras estão muito atrasadas. Como Trump, o então presidente Ronald Reagan percebeu que parte de seu apoio vinha dos racistas brancos. Reagan foi muito mais proativo em denunciá-los. No primeiro ano de mandato, Reagan disse: ;Em alguns lugares, tem havido uma perturbadora repetição da intolerância e da violência. Para aqueles indivíduos que persistem em tal comportamento de ódio, vocês são os únicos que estão fora de sintonia com nossa sociedade;. O problema racial não é bipartidário. Obama foi apoiado por muitas pessoas de boa vontade e por racistas negros, como os New Black Panthers. Obama foi tímido ao criticar simpatizantes racistas.

Trump condicionou fiscalizações mais rigorosas de antecedentes durante a compra de armas a uma reforma imigratória.
É correto fazer essa relação?

Não existe ligação. Trata-se simplesmente de um presidente republicano oferecendo aos democratas algo que eles querem em troca de algo que Trump também quer. O então presidente George H. W. Bush tentou isso com o controle de armas, e os democratas recusaram. A tentativa de Bush alienou simpatizantes pró-direitos, e ajudou a espalhar as sementes de sua derrota na campanha à reeleição. O Partido Democrata está nas mãos de pessoas que apoiam fortemente a imigração ilegal. A única reforma migratória que eles tolerarão será tornar a migração em massa mais fácil, pois os democratas esperam que a maioria dos imigrantes votem neles. Se novos imigrantes da América Central votassem como os novos imigrantes de Cuba, a política democrata sobre a imigração seria diferente. (RC)

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