postado em 11/08/2019 04:05
O enredo parece digno de um tango argentino. De um lado, a ex-presidente acossada por escândalos de corrupção, que se aproveita da deterioração econômica para tentar voltar ao poder, mesmo à sombra de um advogado. De outro, o chefe de Estado que tenta subverter o pessimismo, contrariar quase todas as pesquisas e pavimentar o caminho para mais quatro anos à frente da Casa Rosada, também se aliando a um advogado. As chapas Alberto Fernández-Cristina Fernández de Kirchner e Mauricio Macri-Miguel Ángel Pichetto serão colocadas à prova pela primeira vez hoje, nas Primárias Abertas, Simultâneas e Obrigatórias (PASO).
O direitista Macri aposta em evitar ;um retorno ao passado; para garantir a direita no controle da Argentina, mas precisará convencer o eleitorado de que o seu populismo é a melhor solução ante o peronismo. ;Neste domingo, 11 de agosto, necessito que nos acompanhem com seu voto para que sigamos em frente. Para demonstrarmos que nós, argentinos, juntos, somos imparáveis. E nós faremos por nossos filhos, por nossos netos, por nós mesmos e porque amamos este país;, declarou Macri, em seu último discurso antes das PASO, em Córdoba.
;Que as pessoas voltem a ser feliz, a ter trabalho, que as crianças vão ao colégio para estudar e não para comer, que os aposentados cheguem à farmácia com a receita completa. No primeiro semestre de goveno, mudaremos a Argentina;, prometeu Alberto Fernández, acompanhado de Cristina, no encerramento da campanha da coligação ;Frente de Todos;, também em Córdoba. Miguel De Luca, cientista político da Universidad de Buenos Aires (UBA), explicou ao Correio que as PASO de hoje são importantes, pois permitirão apreciar o índice de apoio eleitoral dos distintos partidos e candidatos para as eleições gerais de 27 de outubro. ;Elas funcionam como uma fotografia das preferências políticas dos cidadãos, meses antes das eleições presidenciais. Também permitem, tanto aos partidos quanto aos eleitores, recalcular as estratégias e apoios antes do pleito de outubro.;
Sem opções
De acordo com Amilcar Salas Orono, cientista político e professor em várias universidades federais da Argentina, os principais espaços competitivos ; as chapas ;Frente de Todos;, de Alberto e Cristina, e ;Juntos por el Cambio;, de Macri e Pichetto ; concentram quase 80% da preferência dos 33,8 milhões de eleitores argentinos. ;Como não existem opções sólidas a essas duas forças, em vez de serem uma instância de seleção intrapartidária, as PASO se transformaram praticamente em uma nova eleição, e isso é percebido pelos próprios cidadãos;, disse à reportagem.
Orono admite que há uma certa curiosidade sobre como será a resposta de Macri nas urnas. ;A situação geral do país é muito ruim, o que deve provocar profundas complicações para o candidato. No entanto, uma das qualidades do macrismo como espaço político está no fato de ele ter desenvolvido toda uma maquinaria eleitoral ; de interpelação das redes sociais, dos meios de comunicação, da propaganda e de intervenções territoriais. Esse mecanismo se mostrou bastante exitoso em outras oportunidades;, comentou. Ele acredita que Macri aposta em uma campanha eleitoral semelhante à de Jair Bolsonaro.
Turnos
Por sua vez, o também cientista político Fernando Domínguez Sardou, professor da Pontifícia Universidad Católica Argentina (em Buenos Aires), as PASO ajudarão a determinar os rumos das eleições de outubro. Ele afirmou que o sistema eleitoral argentino, na teoria, se compõe de três turnos: eleições primárias (PASO), eleições gerais e o segundo turno das presidenciais. ;Como os pretensos candidatos e os eleitores estão obrigados a participar, a votação de hoje se assemelha a uma ;grande pesquisa;. As primárias brindam com informação quase perfeita, tanto para partidos quanto para o eleitorado, e podem reordenar as preferências dos votantes para as eleições gerais. Nesse sentido, podem ajudar a contribuir com os rumos da votação de outubro.;
Sardou disse não haver dúvidas da polarização da campanha deste ano. Ele acha provável, ainda que não seja uma previsão necessariamente segura, que Alberto Fernández se imponha nas PASO. ;Isso não implica vitória em outubro. Em qualquer cenário, a Frente de Todos, dele e de Cristina, será uma das duas principais forças políticas nacionais. Poderíamos esperar um cenário de paridade entre elas.;
Primárias em números
33.841.837
É o total de eleitores inscritos para as PASO, de acordo com a Câmara Nacional Eleitoral. O voto nas primárias é compulsório.
10
candidatos se apresentaram para disputar, hoje, as PASO. No entanto, somente duas chapas têm chances reais de chegar à Casa Rosada, a sede do Executivo.
130
deputados nacionais serão renovados na consulta eleitoral deste domingo ; a Câmara é composta por 257 assentos, e a metade deles é renovada a cada biênio.
24
senadores nacionais também serão escolhidos hoje. Ao todo, o Senado possui 72 cadeiras ; um terço é renovado a cada dois anos.
37%
é a porcentagem de eleitores concentrados na província de Buenos Aires, sem contabilizar a capital.
1,5%
é o índice de votos exigidos a cada candidato para serem aceitos na disputa das eleições gerais de outubro.