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Macri busca a sobrevivência

Peso argentino volta a sofrer desvalorização, e risco-país atinge o maior patamar em 10 anos, após revés governista nas primárias. Presidente deve anunciar pacote hoje. Peronista ataca Bolsonaro

postado em 14/08/2019 04:06
Peso argentino volta a sofrer desvalorização, e risco-país atinge o maior patamar em 10 anos, após revés governista nas primárias. Presidente deve anunciar pacote hoje. Peronista ataca Bolsonaro




Se depender da reação da economia ao vexame oficialista nas urnas, o presidente da Argentina, Mauricio Macri, precisará de competência e de sorte para responder à mais grave crise de seu governo e tentar garantir a sobrevivência política. Apesar das primeiras medidas anunciadas pelas autoridades, o dólar voltou a subir e fechou o dia cotado a 58,30 pesos argentinos. O risco-país atingiu os 1.759 pontos, o mais alto em uma década. A palavra de ordem da Casa Rosada é ;moderação; ante a volatilidade econômica. Depois de desabar 38 pontos percentuais na segunda-feira, o índice Merval da Bolsa de Buenos Aires registrou uma recuperação e encerrou em alta de pouco mais de 10%.

Macri deve anunciar, hoje, uma série de medidas para tentar resgatar a confiança do mercado (veja quadro). No entanto, o comércio assimilou da pior forma possível a escalada do dólar e repassou aumentos entre 15% e 20% em gôndolas dos supermercados. ;Tudo está em estudo, são estímulos para a classe média;, admitiu ao jornal Clarín um ministro que se reuniu com Macri. Na segunda-feira, o chefe de Estado tinha afirmado que instruiu a equipe econômica do governo para que estude e prepara ;todas as medidas necessárias para realmente cuidar dos argentinos;. Algumas das ações previstas são o aumento do rendimento mínimo não tributável e a ampliação de programas para fomentar o consumo.

A União Cívica Radical (UCR), aliada da ;Cambiemos; (coalizão política nacional de Macri), acenou, ontem, com a expectativa de medidas concretas e de ;sinais políticos; que tranquilizem os cidadãos. Do outro lado, o peronista Alberto Fernández, que encabeça a vitoriosa chapa ;Frente de Todos; (com Cristina Kirchner) nas Primárias Abertas, Simultâneas e Obrigatórias (PASO), revidou as declarações feitas pelo presidente Jair Bolsonaro, na véspera, chamando o brasileiro de ;racista; e ;misógino;. Fernández também tratou de se distanciar do venezuelano Nicolás Maduro, ao qualificá-lo de ;regime autoritário;.

Com a experiência de quem participou de 140 campanhas eleitorais na Argentina e na América Latina, Carlos Fara ; especialista em opinião pública e comunicação de governo ; critica a postura de Macri depois do fiasco nas PASO. ;Após a derrota contundente de domingo, o presidente deveria ter tomado gestos fortes, talvez alguma mudança no gabinete. Parece-me que o choque da derrota o impede de tomar alguma atitude mais incisiva. Manter o status quo custará a recuperação dos votos perdidos durante primárias. Sem reação, Macri deixa de transmitir aos mercados que está em uma posição de lutar;, afirmou ao Correio. Na segunda-feira, o presidente advertiu que o derretimento da economia ;é apenas uma mostra do que vai acontecer; se o kirchnerismo vencer as eleições de 27 de outubro.

Brasil
Na noite de segunda-feira, Alberto Fernández respondeu às declarações de Bolsonaro, segundo as quais existe o risco de uma invasão de argentinos no Brasil. ;Povo gaúcho, se essa esquerdalha voltar aqui na Argentina, nós poderemos ter, sim, no Rio Grande do Sul, um novo estado de Roraima;, afirmou o brasileiro, ao citar o êxodo de venezuelanos em direção ao norte do Brasil. ;Em termos políticos, não tenho nada a ver com Bolsonaro. Celebro enormemente que ele fale mal de mim. É um racista, um misógino, um violento;, disparou Fernández. ;A única coisa que eu pediria ao presidente (Bolsonaro) é que ele deixe Lula em liberdade e que se submeta a eleições com Lula em liberdade. Com Bolsonaro não tenho problema em ter problemas.; O peronista descarta um desgaste nas relações com o Brasil, caso eleito presidente. ;Sempre teremos boa relação com o Brasil. O Brasil será sempre nosso principal sócio. Bolsonaro é uma conjuntura da vida do Brasil;, emendou.

Especialista em história da América Latina pela Universidad Nacional de Avellaneda (em Buenos Aires), Atilio Boron admite a hipótese de pico de tensão entre os governos, caso Bolsonaro insista na ;campanha intervencionista;. ;Não há que dar importância às palavras dele. Ninguém crê numa torrente de argentinos fugindo até o Rio Grande do Sul por conta do triunfo da chapa ;Frente de Todos;. Isso é um delírio. A pirotecnia verbal não ajuda a melhorar nossas relações;, afirmou à reportagem. ;Espero que Bolsonaro reflita e pense sobre o que disse e, sobretudo, se abstenha de intervir na campanha eleitoral argentina.;


;Em termos políticos, não tenho nada a ver com Bolsonaro. Celebro enormemente que ele fale mal de mim. É um racista, um misógino, um violento;

Alberto Fernández, peronista de centro-esquerda e presidenciável na chapa ;Frente de Todos;



Medidas emergenciais

As principais ações do governo para responder à derrota nas primárias:

Mudanças de gabinete
Macri descartou demissões ou remanejamentos em seu gabinete na Casa Rosada.

Salário mínimo
O governo de Mauricio Macri estuda aumentar o valor do salário mínimo, hoje de 12,5 mil pesos argentinos (cerca de R$ 887). Segundo o jornal La Nación, empresários e sindicalistas debaterão o tema em reunião com Dante Sica, ministro de Produção e Trabalho, dentro de duas semanas. O salário pode subir até 30%.

Reação à subida do dólar
O Banco Central pretende vender reservas e aumentar as taxas de juros para tentar conter a desvalorização do peso.

Aumento de preços
As autoridades começaram a consultar supermercadistas e distribuidoras de combustível para impedir que a crise leve a um aumento significativo de preços.

Apoio às pequenas e médias empresas
O governo estuda abrir linha de empréstimos para pequenas e médias empresas.


Ponto crítico

A derrota do presidente Mauricio Macri nas primárias do último domingo afetaram a governabilidade do país?

SIM



; Atilio Boron


;A governabilidade está bastante deteriorada. O presidente Mauricio Macri não apenas perdeu a confiança dos próprios eleitores, mas também de seus amigos que controlam os mercados. Existe uma revolta dos mercados contra a incompetência e a inépcia aberta da equipe econômica da Casa Rosada. Eu não me surpreenderia se Macri tivesse que abandonar a presidência antes do tempo, ainda que provavelmente preferirá manter o cargo até 10 de dezembro. Para isso, exige-se requisitos de governante, que, definitivamente, Macri e sua equipe demonstraram
não possuir.;
Especialista em história da América Latina pela Universidad Nacional de Avellaneda em Buenos Aires

NÃO


; Carlos Fara

;Não há espaço na sociedade, nem nos principais atores políticos, empresariais e midiáticos. No entanto, é certo que o governo Macri tem de dar demonstrações fortes, a fim de mostrar que pode encarar a transição rumo a alguma possibilidade de recuperação. Tenho a impressão de que Macri tomará algumas medidas que transcendem o encorajamento ao consumo, como juros mais suaves. Isso provavelmente não surtirá muito efeito a curto prazo. Parece-me que o
governo seguirá tentando reduzir o impacto das
balas que lhe restam.;
Especialista em opinião pública e comunicação de governo. Participou 140 campanhas eleitorais na Argentina e na América Latina


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