Mundo

Bolsonaro vê volta de "bandidos de esquerda"

Em visita ao Piauí, presidente brasileiro alerta que o país vizinho mergulha no caos, cita risco de nova Venezuela e promete"acabar com o cocô do Brasil", em alusão aos comunistas. Especialistas mostram ceticismo com pacote econômico de Macri

postado em 15/08/2019 04:06
A ex-presidente Cristina Fernández de Kirchner e o companheiro de chapa Alberto Fernández: terremoto político e econômico após as primárias


A viagem teve um propósito: inaugurar a Escola Jair Messias Bolsonaro, instituição de ensino do Serviço Social do Comércio (Sesc). No entanto, a passagem pela cidade de Parnaíba (PI), a 335km de Teresina, foi cercada por outra polêmica. Durante discurso, o presidente Jair Bolsonaro tornou a atacar a chapa ;Frente de Todos;, de Alberto Fernández e Cristina Fernández de Kirchner, e advertiu que a Argentina está no caminho de se transformar em uma Venezuela. Sem espaço para linguagem diplomática, o brasileiro afirmou que o país vizinho ;está mergulhando no caos;. ;A Argentina está mergulhando no caos. A Argentina começa a trilhar o rumo da Venezuela, porque, nas primárias, bandidos de esquerda começaram a voltar ao poder;, disse.

No mesmo discurso, fez referência à esquerda no Brasil. ;Nós vamos acabar com o cocô do Brasil. O cocô é essa raça de corruptos e comunistas. Nas próximas eleições, vamos varrer essa turma vermelha do Brasil;, declarou, em meio a gritos de ;mito;. O Clarín e o La Nación, os dois principais jornais da Argentina, repercutiram as declarações de Bolsonaro.

Para especialistas, a retórica de Bolsonaro é uma tentativa contraproducente de ajudar a salvar a campanha de Mauricio Macri. Após derrota com 16 pontos percentuais de diferença para Alberto Fernández nas Primárias Abertas, Simultâneas e Obrigatórias (PASO) do último domingo, o presidente argentino fez ontem um mea-culpa, entrou em contato com o adversário e anunciou um pacote econômico para conter a volatilidade do mercado. Entre as principais medidas, estão o aumento do valor do salário mínimo, cortes nos impostos e congelamento do preço dos combustíveis por três meses (veja quadro).

A troca de farpas entre Bolsonaro e Alberto ganhou força na segunda-feira, quando o brasileiro alertou que o retorno ao poder do kirchnerismo poderia levar a uma onda de refugiados rumo ao Brasil. À noite, o companheiro de chapa da ex-presidente argentina chamou Bolsonaro de ;misógino;, ;racista; e ;violento;. Até o fechamento desta edição, Alberto Fernández não tinha se pronunciado sobre as novas declarações do brasileiro. Macri ficou em silêncio.

Miguel Boggiano, economista e CEO da Carta Financera (em Buenos Aires) e professor de mestrado em finanças pela Universidad de San Andrés (em Victoria, província de Buenos Aires), explicou ao Correio que o discurso de Bolsonaro se insere no contexto da campanha de polarização de Macri. ;Não acredito que as declarações tenham alguma repercussão importante. Parece-me que Bolsonaro tenta colaborar com a reeleição de Macri, mas trata-se de uma estratégia inócua, que nada mudará;, comentou.

Segundo Boggiano, os kirchneristas ;não estão na mesma sintonia; que o presidente venezuelano, Nicolás Maduro. ;De qualquer modo, o próximo governo será forçado a realizar reformas, e o peronismo tem muito mais chances disso. Macri não possui nem força, nem convicção.;

Especialista em opinião pública e comunicação de governo, Carlos Fara classifica de ;loucura; a retórica de Bolsonaro ao associar a Argentina com a Venezuela. ;As relações entre dois países não podem ser manejadas por opiniões pessoais ou políticas sobre nações aliadas e amigas. Há uma rivalidade cultural entre argentinos e brasileiros. A opinião do presidente do Brasil é uma situação que irrita um pouco mais;, admitiu à reportagem. Com a experiência de quem participou de 140 campanhas na Argentina e na América Latina, Fara lembra que Bolsonaro é visto com reticência na Argentina. ;A tentativa de ajudar Macri desperta reação nacionalista desagradável, de repúdio.;

Fernando Domínguez Sardou, cientista político da Pontifícia Universidad Católica Argentina, reconhece que há um ;marcado repúdio na opinião pública argentina em relação a Bolsonaro;. ;As declarações não impactam o cenário eleitoral. Por outro lado, o cenário político venezuelano não pode ser comparado ao da Argentina. Ainda assim, um importante setor da população argentina aceita a advertência feita por Bolsonaro sobre o país se tornar uma Venezuela;, disse ao Correio.


Reforma
A conciliação foi o tom adotado para tentar acalmar os mercados. ;Minha tarefa é garantir a governança. O diálogo é o único caminho. A incerteza causou muitos danos e nos obriga a sermos responsáveis. Quero transmitir paz de espírito neste processo eleitoral que começou;, disse o presidente. O chefe do Executivo anunciou que teve uma ;boa e longa conversa; com o adversário. ;Ele prometeu colaborar com todo o possível para que o processo eleitoral, e a incerteza política que isso gera, afetem o mínimo possível a economia;, revelou. Macri garantiu que as medidas anunciadas deverão beneficiar 17 milhões de trabalhadores, além de pequenas e médias empresas. ;As medidas promovem o consumo, mas são arriscadas;, reagiu Alberto Fernández. ;A solução está nas mãos (de Macri), não nas minhas.;


;A Argentina está mergulhando no caos, a Argentina começa a trilhar o rumo da Venezuela, porque, nas primárias, bandidos de esquerda começaram
a voltar ao poder;


;Nós vamos acabar com o cocô do Brasil. O cocô é essa raça
de corruptos e comunistas. Nas próximas eleições, vamos varrer essa turma vermelha
do Brasil;

Jair Bolsonaro, presidente do Brasil


As medidas de Macri

Conheça as principais mudanças econômicas anunciadas pela Casa Rosada:

Imposto de renda
; O salário mais baixo alcançado pelo imposto será de 55.376 pesos argentinos brutos (cerca de R$ 3.736) ; até então, era de 46.146 pesos (ou R$ 3.104) ; para o caso de trabalhador solteiro e sem dedução por família. E de 70.274 pesos (R$ 4.728) para assalariados que deduzam cônjuge e dos filhos. Até então, o valor era de 61.046 pesos (R$ 4.107). O rendimento sobre o mínimo não tributável aumentou em 20%.

Aumento nos salários
; Incremento de 20% no piso salarial e na dedução especial. De acordo com o jornal La Nacional, isso permitirá uma melhoria no salário de cerca de 2 mil pesos por mês (cerca de R$ 134,60) por mês. O acréscimo poderá er maior ou menor, dependendo da renda e do tipo de grupo familiar. O novo valor mínimo não tributável do salário bruto do qual o imposto é pago passa a ser de 55.376 pesos (ou R$ 3.726) para um trabalhador solteiro e 70.724 pesos (R$ 4.729) para trabalhador com cônjuge e dois filhos.

Reembolso de impostos
; O governo devolverá os impostos pagos em 2019, de cerca de 12 mil pesos (cerca de R$ 807,60), para uma família com dois filhos e salário bruto de 80 mil pesos
por mês (ou R$ 5.384).


Trabalhadores em relação de dependência
; Essa categoria não pagará seus impostos de trabalho durante os meses de setembro e outubro. Seis milhões de trabalhadores receberão 2 mil pesos extras
(R$ 134,60) por mês. A medida contemplará pessoas com salários brutos menores do que 60 mil pesos mensais (R$ 4.038).

Trabalhadores informais e desempregados
; Receberão dois pagamentos extras de 1 mil pesos por filho (ou R$ 67,30), em setembro e em outubro.

Bônus
; Funcionários do governo federal, das Forças Armadas e das forças de segurança federais receberão, no fim do mês, bônus de 5 mil pesos (cerca de R$ 336).

Aumento do salário mínimo
; O salário aumentará a segunda vez em um ano. O salário mínimo é, hoje, de 12.500 pesos (ou R$ 841). A previsão é de uma acréscimo de 30%.

Combustíveis
; O governo adotará medidas para congelar o preço da gasolina e de outros combustíveis pelos próximos 90 dias.


Pontos de vista

O pacote econômico de Macri conseguirá conter a crise na Argentina?

Por Miguel Boggiano


;Macri não
tem mais poder;


;As medidas de Macri não surtirão efeito, pois o problema da Argentina é político. Macri não tem mais poder. Ninguém mais crê nele. Ele precisaria fazer várias reformas, mas não tem condições, nem dinheiro, nem poder ou força para isso. As medidas não servirão para nada. Por sua vez, Alberto Fernández está em uma situação insólita, pois terá de definir o gabinete econômico. Ele se dará conta de que o kirchnerismo não goza de credibilidade e, por isso, precisará fazer o possível para obtê-la. Caso contrário, o dólar seguirá subindo, e as ações, caindo. Isso levaria à corrida bancária.;

Economia e CEO da Carta Financera (Buenos Aires)


Por Carlos Fara



;As medidas
são eleitoreiras;


;Para alguém que perdeu as primárias por 16 pontos, as medidas são eleitoreiras e não devem causar muito impacto. É importante vermos como os mercados reagirão nos próximos dias. A mudança no Imposto de Renda é como um ;cavalinho de batalha;, pois foi uma promessa de campanha de Macri, a qual não pôde cumprir ante a necessidade de ajuste fiscal. O impacto delas será muito menor do que o esperado.;

Especialista em opinião pública
e comunicação de governo

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação