Mundo

Conexão diplomática

postado em 17/08/2019 04:05
Desafio triplo
no Mercosul


Faltam dois meses para a diplomacia brasileira enfrentar um desafio eleitoral em três frentes na vizinhança imediata, com repercussões diretas sobre os rumos futuros do Mercosul. De saída, a grande incógnita é a disputa presidencial na Argentina. As primárias obrigatórias do último fim de semana captaram um clima favorável à oposição peronista em escala de difícil reversão. O presidente Mauricio Macri, apoiado explícita e ostensivamente pelo colega Jair Bolsonaro, amargou uma desvantagem da ordem de 15 pontos percentuais para a chapa de oposição, encababeçada por Alberto Fernández, tendo como vice a ex-presidente Cristina Kirchner.

A perspectiva real de retorno dos nacionalistas ao poder no principal parceiro do Brasil no bloco, entre promessas de revisão ou mesmo veto ao acordo comercial recém-fechado com a União Europeia (UE), parece ter tocado os nervos do Planalto e do Itamaraty. Bolsonato reagiu prontamente ao que chamou de ;ameaça; de vitória dos ;bandidos de esquerda; e acenou com um ;reexame; do Mercosul ; pouco mais de um mês depois de ter celebrado como vitória diplomática a conclusão de um tratado negociado ao longo das últimas duas décadas, por ao menos quatro antecessores (FHC, Lula, Dilma e Temer).

Outras duas eleições, também em outubro, terão como fulcro o confronto entre a direita que vem de vitórias seguidas na América do Sul ; Argentina, Brasil e Chile, além das posições mantidas na Colômbia, no Paraguai e no Peru ; e a esquerda em busca de manter os últimos redutos. No Uruguai, a Frente Ampla, que agrupa socialistas, comunistas e ex-guerrilheiros tupamaros, tem uma difícil campanha para emplacar o quinto mandato consecutivo. Na Bolívia, Evo Morales vai às urnas por mais uma reeleição depois de uma controversa reforma eleitoral que lhe permitiu tentar mais um período como presidente, mas enfrenta o desafio mais consistente por parte da direita, animada pela dupla Bolsonaro-Macri.

Serão três campanhas acompanhadas com lupa no Planalto, na Casa Rosada e, sem muito segredo a respeito, também na Casa Branca. O desfecho dos três processos determinará, em boa parte, o rumo das relações interamericanas nos próximos anos.

Quem manda mesmo?
Os presságios de vitória para a chapa presidencial peronista evocam, na Argentina, os ecos da eleição presidencial de 1973, disputada após quatro anos de governo militar sob o general Alejandro Lanusse. Com o general Juan Domingo Perón, caudilho histórico do populismo nacionalista, exilado na Espanha e impedido de participar, o Partido Justicialista (peronista) lançou como candidato Héctor Cámpora, representante da ala mais fiel ao velho líder. O slogan de campanha não dava margem a dúvidas: ;Cámpora al gobierno, Perón al poder;.

Vitorioso, o presidente recém-eleito cumpriu a promessa fundamental: renunciou, acompanhado do vice, e convocou novas eleições, celebradas meses depois. Em setembro de 1973, Perón foi novamente eleito presidente, tendo como vice a segunda mulher, Maria Estela Martínez de Perón, a Isabelita. O caudilho morreu no ano seguinte e, por ironia, quem veio a exercer o mandato foi a viúva ; até ser deposta, em março de 1976, no início de mais um longo (e sangrento) período de ditadura militar.

Mar revolto
Na margem oposta do Atlântico, o risco de uma colisão frontal entre os governos dos dois países que lideram o Mercosul coloca com as barbas de molho o alto comando da UE, ela própria às voltas com a instabilidade provocada pela ascensão de movimentos populistas de direita contrários à integração continental. A França, em especial, foi reticente à assinatura do pacto e opôs reservas à política ambiental do governo Bolsonaro. A Alemanha da chanceler Angela Merkel vem de cancelar o repasse de ajuda destinada a programas braseileiros de preservação da Amazônia.

Se era possível ficar mais complicado, a chapa Alberto Fernández-Cristina Kirchner já anunciou a inclinação de, no mínimo, reexaminar o acordo firmado entre os dois blocos. Como ainda depende de ratificação pelos parlamentos de ambos os lados, o ambicioso tratado que cria a mais ampla área de livre-comércio do mundo pode passar bons anos em processo de confirmação. E pode nem sair do papel.

Vai para o trono?
Em meio às incertezas, as atenções se voltam para a esperada audiência no Senado sobre a indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o ;filho 03; do presidente, para assumir a embaixada em Washington. A despeito da expectativa favorável, o que mobiliza os emissários externos em Brasília é o que será perguntado, como será respondido e, talvez até mais do que tudo, o que ficará por dizer.

Sondar até onde chegam a compreensão e o domínio do nomeado sobre o posto diplomático e os seus desafios será o esporte das próximas semanas no Setor de Embaixadas.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação