postado em 21/08/2019 04:06
O primeiro-ministro da Itália, Giuseppe Conte, driblou a ofensiva do vice-premiê e titular do Interior, Matteo Salvini, expoente da extrema direita, para derrubar o governo. A intenção de Salvini é forçar a convocação de eleições antecipadas. Antes que o Senado pudesse votar uma moção de desconfiança proposta pela Liga, o partido de Salvini, Conte entregou a renúncia ao presidente Sergio Mattarella, que agora tem nas mãos a busca de uma solução para a crise. No discurso em que anunciou a decisão, Conte, um jurista e professor sem filiação partidária, apontou a manobra do líder direitista como ;irresponsável; e motivada pelo ;anseio de poder;.
;Assumo a responsabilidade diante de meu país, dado que falta a Salvini essa coragem, e ele demonstrou falta de lealdade;, disparou o premiê no parlamento, antes de se dirigir ao palácio presidencial. ;Este governo termina aqui;, proclamou, depois de acusar o vice de tornar inviável a condução do país, inclusive com a intromissão em assuntos de outras pastas ; referência velada ao recente eposódio envolvendo os imigrantes a bordo do navio da ONG espanhola Open Arms (leia abaixo). ;É uma irresponsabilidade iniciar uma crise de governo por interesses próprios e de partido;, continuou, apontando o rompimento da coalizão com o Movimento Cinco Estrelas (M5S), costurada há 14 meses, como ;desrespeito pelas regras e pelas instituições;.
;Fazer os cidadãos votarem é a essência da democracia, mas pedir a eles que votem todos os anos é oportunismo;, insistiu Conte. ;Caro ministro do Interior, ouvi você pedir ;plenos poderes; e apelar para que seus apoiadores saíssem às ruas para apoiá-lo, e essa atitude me preocupa;, atacou. O premiê, agora demissionário, lembrou que o líder direitista apostou na crise, definitivamente, depois que a Liga foi o partido mais votado, na Itália, nas eleições europeias do fim de maio. Mais ainda depois que as últimas pesquisas confirmaram o partido na liderança, com 34% a 38% das intenções de voto.
Jogo político
Ao antecipar-se ao voto de desconfiança e renunciar, porém, Conte deu a Mattarella a opção de até convocá-lo a tentar formar um novo governo, ainda que com mandato limitado ; um ;gabinete técnico;, como define o jargão político italiano ;, com a missão de assegurar tarefas urgentes. O país precisa aprovar até o fim do ano um orçamento e evitar um aumento projetado para o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que incide sobre todas as mercadorias. ;O país precisa urgentemente de medidas para promover o crescimento econômico e o investimento;, discursou o premiê.
Na resposta ao adversário, Salvini adotou o tom de campanha eleitoral com o qual vem se manifestando desde as férias de verão na Sicília. ;Quem tem medo do julgamento do povo não pode ser um homem livre;, afirmou, entre aplausos dos correligionários e gritos de protesto dos adversários. ;Eles temem perder suas cadeiras em uma eleição antecipada;, desafiou. O vice-premiê contestou os que o acusam de liderar ;um partido de fascistas;, quando se trata ;da única força política; que defende o voto como saída para o impasse. ;Imaginem: o ;ditador; é quem pede o voto do povo italiano.;
Mattarella anunciou a disposição de iniciar hoje mesmo consultas aos líderes partidários para explorar as possibilidades de que o parlamento componha uma nova maioria, e pediu a Conte que siga provisoriamente à frente do governo. Nos últimos dias, surgiram sinais de um possível acordo entre o M5S, que detém a maior bancada, e o Partido Democrático (PD), de centro-esquerda. A alternativa dependeria, para ser viável, ao menos do apoio crítico de outro ator político algo imprevisível: o ex-premiê Silvio Berlusconi, líder do partido direitista Força Itália. Mesmo fora do parlamento, Berlusconi pode atuar como fiel da balança para neutralizar a ascensão de Salvini, com quem disputa a mesma fatia do eleitorado.
;Assumo a responsabilidade diante de meu país, dado que falta a Salvini essa coragem, e ele demonstrou falta de lealdade;
Giuseppe Conte, premiê demissionário da Itália
;Quem tem medo do julgamento do povo não pode ser um homem livre. Eles temem perder suas cadeiras em uma eleição antecipada;
Matteo Salvini, vice-premiê e ministro do Interior
Entenda o caso
Impasse
saiu da urna
O impasse político na Itália tem origem imediata na eleição de março de 2018, que terminou sem resultado conclusivo. Nenhum dos dois polos políticos estabelecidos saiu em condição de compor maioria e formar um governo. À direita, a novidade foi a Liga, de Matteo Salvini, que superou o Força Itália, do ex-premiê Silvio Berlusconi, e assumiu a liderança do campo. Na centro-esquerda, o Partido Democrático (PD) saiu como o segundo maior partido, individualmente, mas igualmente aquém do necessário para liderar um gabinete.
O fator decisivo foi a ascensão irresistível do Movimento Cinco Estrelas (M5S), do comediante Beppe Grillo, com seu discurso de repúdio aos políticos, aos demais partidos e ao sistema propriamente dito. Campeã de votos, dona da maior bancada, a legenda de protesto tornou-se exatamente o que pretendia: o cerne do processo. Rejeitado por todos os outros, o partido não tinha chance de governar, embora lhe coubesse a primazia. No entanto, nenhum outro bloco governaria sem ele.
A solução veio em junho, à melhor moda italiana. Salvini descolou-se da aliança com Berlusconi e negociou uma coalizão com o M5S ; ainda que sobre bases frágeis e diante da incredulidade geral quanto à durabilidade do acordo. Com um independente, Giuseppe Conte, como primeiro-ministro, o governo comportou-se como um bicho de duas cabeças. Até o ponto em que as eleições europeias do fim de maio último colocaram a Liga como o maior partido na Itália.
Desde então, o ministro do Interior radicalizou as posições mais controversas, como a política de portos fechados para os navios com imigrantes, a qualquer preço. Salvini explorou cada possível divergência com o M5S, até o ponto de declarar a convivência impossível e optar pela dissolução do governo, com o propósito de forçar uma eleição antecipada, em outubro próximo.