Ante o cenário cada vez mais possível de um bloqueio naval norte-americano à Venezuela e após a intensificação da pressão diplomática por parte do Brasil, integrantes do regime de Nicolás Maduro decidiram se engajar em diálogo direto com os Estados Unidos. Na noite de quarta-feira, o conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, John Bolton, admitiu que o futuro de Maduro é discutido entre autoridades de Washington e de Caracas à revelia do presidente venezuelano. ;Como o presidente (Donald Trump) declarou repetidamente que, para acabar com o furto dos recursos do povo venezuelano e com a repressão continuada, Maduro deve partir. As únicas questões discutidas por aqueles que estão se aproximando pelas costas de Maduro são sua saída e eleições livres e justas;, acrescentou. Especialistas consultados pelo Correio consideram improvável uma solução negociada que contemple a renúncia de Maduro e acreditam que o Palácio de Miraflores defenderá a convocação de eleições sem uma renúncia do poder.
O historiador e cientista política venezuelano Miguel Tinker-Salas, professor do Pomona College (em Claremont, EUA), duvida que o governo de Maduro participe de negociações cujo objetivo único seja sua saída. ;O diálogo reflete a existência de estancamento político, no qual nenhum grupo é capaz de vencer o outro. O mais provável é que a negociação contemple algum processo eleitoral na qual ambos os lados medirão suas forças, primeiro em um pleito legislativo e, depois, presidencial;, afirmou. Segundo ele, enquanto Maduro permanecer no comando do país, a oposição seguirá se fragilizando. ;Desde que Juan Guaidó se declarou presidente, a oposição leva oito meses buscando expulsar Maduro de Miraflores. Já são duas décadas de tentativas de derrotar o chavismo;, disse Tinker-Salas. ;A única opção para Maduro e para a oposição é a negociação. E a única saída seria um processo que leve a eleições, o qual poderia ser feito por meio de referendo consultivo, de eleições para renovar a Assembleia Nacional ou de eleições presidenciais.;
Para Diego Enrique Arría, ex-governador de Caracas e ex-candidato à Presidência da Venezuela, ;uma renúncia negociada de Maduro em uma onde não exista pressão diplomática é absolutamente inviável;. ;Não creio nisso. O que me surpreende é o fato de a negociação incluir eleições com Maduro na presidência;, comentou. ;Enquanto não existir qualquer solução que ameace sua estabilidade, a qual somente pode vir de uma ação combinada entre Estados Unidos, Brasil e Colômbia, não há nada que o obrigue a ter opções. Apesar de a oposição contar com 80% a 85% de apoio popular, o regime detém controle das Forças Armadas. Por isso, a crise pode se prolongar por muito tempo.;
Salvo-conduto
Por sua vez, o também venezuelano José Vicente Carrasquero Aumaitre, cientista político da Universidad Simón Bolívar (em Caraca), explicou que Maduro não tem mais do que duas escolhas. ;Negociar sua saída do poder com um salvo-conduto e com a promessa dos EUA de que não responderá a acusações, ou uma tentativa destinada ao fracasso de permanecer no poder a todo custo, ignorando os apelos à negociação;, opinou. Carrasquero lembrou que o governo americano tem interesse particular em solucionar a crise o mais breve possível. ;A Casa Branca tem dado tempo à diplomacia de outros países para intervirem, mas eles são demasiadamente lentos e ineficazes. É lógico que a diplomacia dos EUA tem pressionado, a fim de obter resultados.;
Ontem, a ministra das Relações Exteriores do Canadá, Chrystia Freeland, anunciou que viajará a Cuba, na próxima semana, para debater a situação da Venezuela e o apoio de Havana ao governo de Maduro. Freeland se reunirá, na próxima quarta-feira, com o chanceler cubano, Bruno Rodríguez. ;Acreditamos que é importante explorar todos os caminhos possíveis para uma resolução da situação (na Venezuela);, disse.
Eu acho...
;Eu duvido que os Estados Unidos possam negociar uma saída pacífica de Maduro do poder. O diálogo direto de Washington com o regime significa que os americanos não confiam somente em Guaidó. Em plena campanha presidencial, a Venezuela é parte do processo político nos EUA. Ainda que Trump fale em manter todas as suas opções, todas as alternativas têm limites. Um bloqueio exige o reposicionamento de navios que patrulham o Oriente Médio, o Irã ou a Ásia, deixando essas áreas desprotegidas. Uma invasão à Venezuela seria muito dispendiosa, pois os EUA teriam de ajudar na reconstrução do país. A única saída real é manter a negociação.;
Miguel Tinker Salas, historiador e cientista político do Pomona College (em Claremont, EUA)
;Os espaços se fecham cada vez mais para Maduro. Ele perdeu toda a capacidade financeira de responder aos problemas da Venezuela, além de não contar com políticas eficazes para reverter a grave crise venezuelana. A oferta que Maduro deve estar recebendo dos americanos é uma saída do país sob garantias de imunidade. A permanência de Maduro no poder é insustentável. Existe uma grande possibilidade de eleições livres, na medida em que se oferece ao mandatário venezuelano uma saída elegante e que conte com a proteção dos EUA. Os efeitos das sanções sobre a capacidade de gestão de Maduro são enormes, e os problemas que confronta serão mais graves em um futuro próximo.;
José Vicente Carrasquero Aumaitre, cientista político da Universidad Simón Bolivar (USB)