postado em 31/08/2019 04:05
Intercessão críticaassistida de longe
Chamou a atenção de parceiros tradicionais do Brasil a imagem do presidente do Chile, Sebastián Piñera, presente à entrevista na qual os governantes do G7 anunciaram, no balneário francês de Biarritz, a oferta de ajuda aos países da Amazônia para conter as queimadas e o desmatamento. O fato de ter cabido a Piñera o papel de interceder em favor do Brasil com o anfitrião, Emmanuel Macron, no auge da troca de ataques verbais com o presidente Jair Bolsonaro, foi interpretado como um diagnóstico acurado do momento diplomático vivido pelo governo do capitão. O líder de um vizinho andino, sem qualquer proximidade com a floresta, foi quem ponderou com Macron e os demais sobre a inconveniência de questionar a soberania dos vizinhos sul-americanos sobre a região, inclusive no que diz respeito à responsabilidade por preservar um ecossistema de importância global.
Tampouco escapou aos olhos dos observadores a escala feita de improviso pelo presidente chileno em Brasília no retorno do encontro com os governantes das maiores potências industriais. Foi depois do breve encontro mantido no Planalto que o presidente brasileiro começou a acenar com a possibilidade de aceitar a contribuição do G7 para o combate ao fogo. A coordenação dos esforços, por sinal, deve ser discutido pelos países com território amazônico na próxima sexta-feira na cidade colombiana de Letícia, na fronteira tríplice com o Brasil e o Peru. A Venezuela, embora se enquadre no critério e tenha colocado o problema no âmbito da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), não foi convidada.
Onde há fumaça...
Um incêndio de outra natureza volta a se insinuar na tensa fronteira entre a Venezuela de Nicolás Maduro e a Colômbia de Iván Duque desde o anúncio de um punhado de ex-comandantes da guerrilha das Farc sobre o retorno à luta armada. Os dissidentes, encabeçados por Iván Màrquez, chefe da delegação que negociou a paz com o governo de Bogotá, selada em Havana, alegam que o Estado descumpre os termos do acordo e assiste impassível ao assassinato de ex-combatentes e dirigentes sociais acusados de simpatizar com a guerrilha.
Em resposta, Duque acusou a Venezuela de hospedar cerca de 600 ;neo-rebeldes;, inclusive os que gravaram em vídeo o chamado às armas. O Exército começou ontem a bombardear os núcleos resistentes, mas escolheu como primeiros alvos posições no sul do país, distantes da fronteira venezuelana.
...há fogo e bombeiro
Entre os que compartilham as preocupações com o impacto ambiental da tragédia amazônica, também foi notado o contraste entre a resposta do presidente brasileiro e a do vizinho boliviano, Evo Morales. Enquanto o ex-militar esgrimia críticas e ofensas com o mandatário francês e condicionava a um pedido público de desculpa a aceitação da ajuda oferecida no âmbito do G7, o ex-líder cocaleiro foi a campo com a própria experiência de manejo da mata para participar em pessoa das operações de combate aos incêndios. Chegou a se perder no terreno, no departamento de Santa Cruz ; vizinho ao Brasil ; mas foi encontrado por brigadistas cerca de uma hora mais tarde.
Evo, por sinal, lidera as pesquisas de intenção de voto para a eleição de outubro, quando tentará o quarto mandato consecutivo.
Sem bússola
Quem também pareceu algo desorientado para diplomatas e analistas, em meio ao bate-boca com a França, foi o presidente brasileiro. Durante a semana, Bolsonaro chegou a dizer, em entrevista coletiva, que as as críticas de Macron ao seu governo eram ;mentirosas;, e só encontrariam eco na mídia internacional ;porque ele é de esquerda;. Quanto a si próprio, classificou-se como ;de centro-direita;. O presidente francês chegou a ocupar um cargo de primeiro escalão na presidência do antecessor, o socialista François Hollande, mas naquela altura não tinha filiação partidária. No ano passado, lançou o movimento Em Marcha, que tinha como lema a renovação política, assumiu um perfil no centro do espectro político e tomou votos das legendas tradicionais à esquerda e à direita.
Arrivederci
Em momento de relações algo tensas com a Europa, o governo brasileiro perde um interlocutor mais próximo com o desfecho momentâneo da crise política na Itália. O ministro do Interior, Matteo Salvini, que provocou a queda do gabinete com o propósito de forçar a convocação de eleições antecipadas, assistiu à recomposição de uma maioria entre o populista Movimento Cinco Estrelas e o Partido Democrático, de centro-esquerda, sucedâneo do histórico Partido Comunista Italiano. A menos que sobrevenham desacertos de última hora ; algo nada incomum na conturbada história política do país ;, o novo governo deve ser empossado nos próximos dias pelo presidente Sergio Mattarella.
A Liga, partido de extrema direita liderado por Salvini, venceu as eleições de maio para o Parlamento Europeu e lidera as pesquisas de opinião.