postado em 01/09/2019 04:05
Uma relação que se estende praticamente por 500 anos, com uma história de afinidades, admiração mútua e até uma dose de paixão, passa hoje por um momento como os que vivem alguns casais quando opções e interesses parecem distanciar-se ; a hora da chamada ;DR;. As notícias das últimas semanas sobre queimadas e desmatamento na Amazônia alimentaram um bate-boca público, com termos duros e ofensas pessoais, entre o presidente Jair Bolsonaro e o colega francês, Emmanuel Macron. De ambos os lados, há quem receie que a quebra do encanto entre os dois governos possa afetar projetos bilaterais de cooperação, em especial na área militar, e empreitadas de alcance multilateral, como o acordo de livre comércio entre União Europeia (EU) e Mercosul.
No auge da controvérsia, Macron levou à reunião de cúpula do G7 a noção de que o fogo na maior floresta tropical do mundo seria uma crise internacional. Chegou a colocar em discussão a soberania brasileira sobre a Amazônia. No Brasil, foi aventada a possibilidade de chamar para consultas o embaixador em Paris, uma medida prevista na liturgia diplomática para expressar desagrado. Como já tinha feito quando da assinatura do acordo, o presidente francês voltou a relacionar a ratificação do acordo comercial à postura do governo brasileiro quanto aos compromissos assumidos como signatário do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas.
Um diplomata europeu que acompanhou as longas negociações EU-Mercosul quando representou seu país na sede do bloco, em Bruxelas, disse duvidar que Macron chegue efetivamente a obstruir a ratificação. Pressionado internamente por uma onda de protestos, na virada do ano, o presidente francês dá sinais de que aposta em firmar uma liderança própria no cenário continental e sair da sombra da chanceler (chefe de governo) alemã, Angela Merkel. Esse observador lembra, porém, que o sistema continental tem meandros que permitem a um país-membro, em especial com o peso diplomático da França, ;retardar o andamento, questionar aspectos específicos, propor alterações, enfim, colocar cascas de banana, como vocês costumam dizer no Brasil;.
Projetos bilaterais
No horizonte imediato, as preocupações se concentram sobre um conjunto de projetos bilaterais de cooperação na área de defesa, considerados especialmente importantes pelos militares brasileiros. O mais crítico é o desenvolvimento do primeiro submarino de propulsão nuclear, sonho antigo e parte de um acordo que prevê a transferência de tecnologia francesa e a construção de mais cinco veículos convencionais ; o primeiro lançado em dezembro último e o segundo previsto para 2020. Também no ano que vem, deve começar a produção do veículo nuclear, com conclusão prevista inicialmente para 2029.
Além do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), Brasil e França mantêm acordos sobre aquisição e fabricação de helicópteros, concentrados em uma unidade instalada pela Avibrás em Itajubá (MG). São projetos longamente discutidos e que deslancharam, em boa parte, graças à relação pessoal fluida entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Nicolas Sarkozy, na década passada. Na época, os franceses só não conseguiram também vender os caças de última geração Rafale, entre outros fatores, graças à preocupação dos militares com a concentração de programas em um único parceiro ; e a escolha recaiu sobre o Gripen, em parceria com a Suécia.
Outra diplomata europeia, que acompanhou de posição privilegiada a ;lua de mel; entre Brasília e Paris no governo Lula, vê a crise no ;casal; pela perspectiva da reaproximação acentuada do presidente brasileiro com os Estados Unidos de Donald Trump. Ela cita como exemplo a recente venda para a Boeing da indústria aeronáutica brasileira Embaer, que conquistou importantes nichos de mercado com aviões comerciais e militares, como o SuperTucano. ;Talvez Macron sinta algum ;ciúme; do flerte entre Bolsonaro e Trump;, sugere, em tom de brincadeira.