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Um governo no caos

Parlamento britânico impõe novas derrotas ao premiê, ao aprovar lei que obriga Boris Johnson a desistir do "Brexit duro" e ao rejeitar a antecipação das eleições. Sem maioria na Câmara, resta ao primeiro-ministro pedir adiamento da saída da União Europeia

postado em 05/09/2019 04:06
Ativistas contrários ao Brexit e opositores ao governo conservador protestam do lado de fora das Casas do Parlamento, em Londres:
Em um prazo de 24 horas, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, sofreu quatro golpes que agravaram o impasse provocado pelo Brexit ; o processo de divórcio entre o Reino Unido e a União Europeia (UE). Na terça-feira, depois de perder a maioria no Parlamento com a deserção do conservador Philip Lee, o premiê viu deputados contrários ao chamado ;Brexit duro; controlarem a agenda da Câmara dos Comuns. Vinte e um governistas votaram alinhados com a oposição. Ontem, os parlamentares aprovaram, por 327 votos contra 299, uma lei que obriga o Executivo a pedir outro adiamento de três meses do Brexit, caso não haja uma saída pactuada com a UE antes de 19 de outubro. O texto será submetido agora à Câmara dos Lordes, onde um grupo de pró-europeus tentará impedir uma eventual manobra de bloqueio por parte dos eurocéticos.

A derrota foi ainda maior: Johnson instou a Câmara a votar uma moção que anteciparia as eleições gerais para 15 de outubro. Eram necessários dois terços dos votos (ou 434 dos 650 assentos) para o premiê levar adiante os seus planos, mas conseguiu apenas 298; 56 deputados se opuseram à convocação do pleito. Os golpes lançaram o governo conservador na incerteza, a apenas 56 dias do prazo final dado pelo bloco para o Brexit.

Além de falhar em impulsionar o Brexit sem acordo, Johnson fracassou na aposta eleitoral. O chefe de governo argumentou que a lei obrigando-o a pedir um adiamento do divórcio inviabilizou qualquer acordo com Bruxelas. Desgastado, Johnson voltou munição contra o líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, e o acusou de ser o primeiro na história do país a recusar um convite ao pleito. ;O país deve decidir se é o líder da oposição ou sou eu quem vai a Bruxelas; tentar obter um acordo, disparou.

Corbyn recorreu a um famoso conto infantil ao se referir à tentativa de 10 Downing Street (sede do governo) de forçar as eleições antecipadas. ;Sua oferta é como a da maçã da Branca de Neve, esconde o veneno de um Brexit sem acordo. Nós respaldaremos eleições quando a lei para frear um Brexit sem acordo cumprir todos os trâmites e for referendada pela rainha;, respondeu o opositor.


Contra-ataque
Com o Brexit sem acordo derrotado, restará a Johnson obedecer à lei aprovada e pedir o adiamento da saída da UE para até 31 de janeiro. Diretor do Centro para Política e Governo Britânicos e do Departamento de História e Política do King;s College London, Andrew Blick explicou ao Correio que Johnson poderá buscar meios de frustrar a decisão do Parlamento. ;Isso pode ocorrer tentando reter o Consentimento Real (a autorização da rainha Elizabeth II para que um projeto de lei se torne lei de fato), impedindo o texto de se tornar legislação de fato ou evitando sua aplicação na prática;, comentou.

O especialista ressaltou que há mais de três séculos o Consentimento Real não é contrariado. ;Em tese, o premiê poderia aconselhar a rainha a fazê-lo. Isso colocaria a monarca em uma posição difícil quanto a cumprir os desejos de seu primeiro-ministro. Pode muito bem não acontecer. Mas coisas incomuns têm o hábito de ocorrer atualmente, no Reino Unido;, ironizou Blick.

No fim da noite, Johnson tornou a defender um Brexit sem acordo. ;O povo tem uma escolha. Anos de incerteza e atraso com a Lei de Rendição de Corbyn ou o Brexit entregue em 31 de outubro;, escreveu o primeiro-ministro no Twitter. Ele acusou o Parlamento de ;destruir a habilidade do governo de negociar;. Por sua vez, Corbyn também usou o Twitter para reforçar sua posição de que, ;quando o Brexit duro estiver fora da mesa, de uma vez por todas, devemos voltar ao povo em uma votação pública ou uma eleição geral para decidir o futuro de nosso país;. O início de semana infernal para Johnson coloca em xeque a governabilidade do premiê. ;O nível de confiança de Boris Johnson é muito, muito baixo;, admitiu o parlamentar trabalhista Keir Starmer. O primeiro-ministro que assumiu o poder, em 24 de julho, sob a promessa de tirar o Reino Unido da UE, em 31 de outubro, ;custe o que custar;, está de mãos atadas.


Eu acho...

;Boris Johnson está em uma posição incomum ou única para um primeiro-ministro. Ele perdeu a maioria na Câmara dos Comuns e não conseguiu antecipar as eleições. Tivemos longos debates neste país sobre o poder do premiê. Evidências recentes exigirão uma análise criteriosa para os propósitos dessa discussão.;


Andrew Blick, diretor do Centro para Política e Governo Britânicos e do Departamento de História e Política do King;s College London


Bastidores

;Boris ficará bem;, diz Trump


O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, se declarou convicto de que o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, sairá do difícil confronto com o Parlamento. ;Boris é um amigo;, disse Trump do Salão Oval. ;Ele sabe como vencer, não se preocupem, ele ficará bem.;


Fim de uma década de austeridade


Em seu discurso no Parlamento, o ministro das Finanças do Reino Unido, Sajid Javid (foto), afirmou que a crise imposta pelo Brexit está colocando fim a uma década de austeridade. ;Agora, podemos nos dar ao luxo de virar a página sobre a austeridade e avançar de uma década de recuperação para uma década de renovação;, assegurou. ;Nós agora podemos nos dar ao luxo de gastar mais em serviços públicos vitais.;



100 mil
Total de novos registros eleitorais de britânicos que estavam ávidos em participar de eleições gerais.


Fantasma menos assustador

O Banco da Inglaterra (BoE) aposta que o impacto de um Brexit sem acordo sobre a economia será ;menos grave; do que o previsto, devido a um preparo maior, informou o governador Mark Carney. Em vez de uma queda de 8% do Produto Interno Bruto (PIB), um Brexit sem acordo resultaria em ;um declínio inicial de 5,5% do PIB;, afirmou Carney. O desemprego se elevaria a 7%, em vez dos 7,5%, ante o atual nível historicamente baixo, de 3,8%. A inflação subiria a 5,25%, contra os 6,5% estimados anteriormente.

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