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Conexão diplomática

Por Silvio Queiroz silvioqueiroz.df.@dabr.com.br

postado em 07/09/2019 04:05
Por Silvio Queiroz silvioqueiroz.df.@dabr.com.brVizinhos e amigos
na saia-justa


A cada semana, e a cada novo incidente, aumenta a sensação de desconforto entre governos tradicionalmente aliados com a aproximação de outubro, quando os países-membros das Nações Unidas escolherão os novos integrantes do Conselho de Direitos Humanos. O Brasil, que ocupa atualmente uma cadeira, é candidato a uma das duas vagas destinadas à América Latina, e a região tem apenas mais um pretendente ; a Venezuela de Nicolás Maduro. O único obstáculo possível é a exigência de um mínimo de 97 votos, em um todal de 194, missão que não parece difícil para quem se elegeu há quatro anos com 137, embora muito abaixo dos 184 obtidos em 2012 e mesmo dos 175 conquistados em 2008.

O grande teste para a diplomacia brasileira, em particular para o corpo profissional do Itamaraty, têm sido os repetidos constrangimentos provocados por declarações do presidente Jair Bolsonaro, consideradas inconvientes ; na linguagem polida do meio. A última delas teve como destinatária a ex-presidente chilena Michelle Bachelet, cujo pai, oficial da Força Aérea, foi torturado e morto sob a ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990). Um primeiro agravante foi a repulsa praticamente unânime nos círculos políticos do Chile, em meio ao constrangimento do presidente Sebastián Piñera, que coleciona afinidades com o colega do Planalto. O mal-estar se estende a outros vizinhos sul-americanos que, como o Brasil, viveram sob regime militar. Resta ainda a quase coincidência de que Bachelet é a alta comissária da ONU para Direitos Humanos ; quase coincidência porque foi nessa condição que ela fez reservas sobre a situação no Brasil, ao que Bolsonaro reagiu.

Até pela ausência de outra candidatura latino-americana ao conselho, a avaliação, por ora, é de que o Brasil escapará de repetir a Rússia de Vladimir Putin, que fracassou por não satisfazer o quórum. Mas, a um mês do desfecho, a própria campanha desenvolvida nas sedes da ONU, em Nova York e Genebra, tem deixado entrever um mal-estar crescente com o rumo imprimido à política externa pelo governo Bolsonaro em áreas nas quais o país cultivou por três décadas ; o período pós-ditadura ; uma posição de respeito e mesmo de liderança, como direitos humanos e meio ambiente.

Cada um, cada um
Na frente ambiental, depois de ter sido colocado sob as atenções internacionais por conta das queimadas na Amazônia, o presidente foi representado pelo chanceler Ernesto Araújo na reunião de cúpula celebrada em Letícia, na Colômbia, entre seis países que têm em seu território alguma porção da floresta. Além do anfitrião, Iván Duque, participaram os presidentes do Peru, Martín Vizcarra, copatrocinador do encontro, da Bolívia e do Equador. A Venezuela, que compartilha a situação geográfica, não foi convidada, por opção política.

À parte os resultados, a cúpula na fronteira tripla entre Colômbia, Peru e Brasil reafirma a tendência dos governos de direita, hoje predominantes na vizinhança, a colocar para escanteio os mecanismos regionais construídos no ciclo anterior, onde quem dava as cartas era a esquerda nacionalista. Depois da Unasul e, em certa medida, da Celac (esta, de alcance latino-americano), a vez em Letícia foi da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). Foi nesse âmbito, por sinal, que o governo venezuelano colocou em pauta a crise das queimadas. Duque e Vizcarra, em consonância com Bolsonaro, optaram por convocar os vizinhos um por um, driblando os arranjos multilaterais.

Olho nas urnas
Outubro será também o mês no qual o Planalto e o Itamaraty estarão com os radares voltados para três vizinhos ;de porta; com processos eleitorais que terão impacto inevitável na geopolítica da região, seja qual for o verdicto das urnas. O mais importante, de saída, está na Argentina ; e não apenas pelo peso específico do país e pela extensão e profundidade das relações bilaterais. Bolsonaro pronunciou-se repetidas vezes para apoiar a reeleição de Mauricio Macri e, mais importante, advertir sobre o que considera o risco de uma vitória da oposição peronista, cujo candidato, Alberto Fernández, lidera com folga as pesquisas de opinião.

Na Bolívia, quem segue à frente nas intenções de voto é o presidente Evo Morales, um dos últimos moicanos da safra de esquerda que teve como expoentes Lula, Hugo Chávez e o casal Kirchner. Lá, porém, a dúvida é quanto à capacidade do líder indígena para resolver a disputa no primeiro turno. No caso de um tira-teima, é duvidoso se ele conseguirá agregar os votos necessários para a maioria.

Ainda mais delicada é a posição da coalizão esquerdista que governa o Uruguai há 15 anos, com dois mandatos do atual presidente, Tabaré Vázquez, entremeados por um do carismático Pepe Mujica. O candidato da Frente Ampla, Daniel Martínez, lidera as pesquisas para o primeiro turno, mas perde para a soma das intenções de voto dos dois principais adversários à direita do espectro.

O balanço das três eleições definirá a nova equação do poder político na América do Sul, que tem cristalizado um polo capitaneado por Bolsonaro e pelos colegas Iván Duque (Colômbia) e Sebastán Piñera (Chile). No polo oposto, Nicolás Maduro, herdeiro do chavismo venezuelano, confinado a alianças ao norte, com Cuba e Nicarágua.

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