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Parlamento em silêncio

O premiê Boris Johnson fracassa na última tentativa de antecipar eleições e coloca o Legislativo em recesso no momento mais crítico para o desfecho da novela do Brexit, a saída do Reino Unido do bloco continental

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 10/09/2019 04:06
O parlamento reunido na véspera do recesso forçado por decisão do chefe de governo: impasse paralisa o país na reta final para a separação da UE
Na véspera de colocar o parlamento britânico em recesso, o primeiro-ministro Boris Johnson sofreu ontem nova derrota no parlamento, que negou a maioria de dois terços necessária para a convocação de eleições antecipadas, pedidas pelo chefe de governo para romper o impasse em torno do Brexit, o processo de saída do país da União Europeia (UE). Johnson, porém, reafirmou a posição de desafio à maioria dos deputados, que na semana passada aprovaram uma lei que o obriga a pedir mais três meses para o Brexit ; a data marcada é 31 de outubro. Embora limitado por um texto aprovado nas duas casas do Legislativo e sancionado ontem pela rainha Elizabeth II, que veda ao governo a opção pela separação sem acordo com Bruxelas, Johnson reafirmou a determinação de consumar o ;divórcio; na data prevista, ainda que seja um rompimento litigioso.

O impasse em torno da separação paralisa a política britânica desde junho de 2016, quando a decisão foi aprovada em referendo por 52% dos votantes. Depois de ter causado baixas no Partido Conservador, que governa o país desde 2010, e de derrubar dois chefes de governo ; David Cameron e Theresa May ;, o Brexit fez ontem mais uma vítima de peso. O presidente da Câmara dos Comuns, o governista John Bercow, anunciou ontem que deixará o cargo, no máximo, na ;data fatal; do Brexit. Acenou com a saída até mesmo antes, caso os colegas aprovem a antecipação das eleições legislativas. Em seu anúncio, invocou razões familiares, mas afirmou perante os deputados: ;Tentei aumentar a autoridade relativa desta legislatura, razão pela qual não pedirei desculpas;.

;Eu não vou pedir outro adiamento;, declarou o premiê ao parlamento. Se os deputados se opuserem a aprovar eleições gerais antecipadas, como Johnson vem pedindo, ele vai preparar o Reino Unido para deixar a UE, sem mais retardo, em 31 de outubro. ;De preferência, com um acordo, mas sem, se isso for necessário;, afirmou. A lei sancionada ontem pela rainha, e aprovada na semana passada pelas duas casas do parlamento, determina que o governo peça nova prorrogação do Brexit à UE, caso não os parlamentares não tenham aprovado um acordo até 19 de outubro.


Último ato
Por iniciativa do premiê, recebida com protestos pela oposição e por parte considerável da opinião pública, o parlamento deve entrar em recesso forçado nesta semana e retornar apenas em meador de outubro, a duas semanas da data fixada para o Brexit. Ontem, em uma das últimas decisões de peso, a Câmara dos Comuns aprovou, por 311 votos contra 302, a exigência de que o governo publique suas avaliações confidenciais sobre o impacto de um rompimento com a UE sem acordo, O texto demanda a revelação de comunicações privadas, inclusive mensagens de texto, entre funcionários que discutiram os planos para a suspensão do parlamento.

O desenrolar do drama do Brexit deixou o premiê, que tomou posse no fim de julho, em minoria na Câmara dos Comuns ; daí seu empenho em forçar a convocação de novas eleições. Quando sucedeu Theresa May, que renunciou depois da terceira rejeição do parlamento ao acordo negociado com a UE para o Brexit, Johnson colocou como centro de sua plataforma a efetivação do rompimento em 31 de outubro, ;por bem ou por mal;. A questão, porém, é controversa dentro do próprio Partido Conservador. Embora tenha conquistado a liderança da legenda, o novo premiê foi contestado por 21 deputados da própria bancada, na semana passada, e optou por desligá-los, colocando o governo em minoria e aprofundando a crise no partido.

Com o parlamento em recesso, Johnson aposta na ideia de arrancar da UE um acordo aceitável pela maioria, mas esbarra na relutância dos demais 27 países-membros, que deve aprovar por unanimidade uma nova fórmula e mesmo a prorrogação do prazo. Jean-Yves Le Drian, chanceler da França, um dos pesos pesados do bloco, afirmou ontem que, ;nas circunstâncias atuais;, a resposta de Paris seria um não.


Análise da notícia

Agora, é
com Boris


; Silvio Queiroz

Boris Johnson joga a sobrevida política de seu governo brevíssimo nas próximas cinco semanas. Com o parlamento fora de cena, o primeiro-ministro terá as mãos livres para negociar com a União Europeia (UE) uma nova versão do acordo de ;divórcio;. A fórmula acertada pela antecessora Theresa May foi rejeitada três vezes, com participação decisiva da facção do Partido Conservador (governista) liderada pelo atual premiê.

Foi a rejeição a esse texto e a opção declarada por um Brexit ;duro;, sem acerto, na ausência de outra proposta, que levou Johnson à liderança dos tories, como são chamados os conservadores, e à chefia do governo, por tabela. Do fim de julho para cá, porém, o cenário político britânico sofreu mudanças significativas. O premiê, que expurgou da bancada os descontentes, entra no recesso parlamentar à frente de um governo minoritário, sem sinais de que a situação pode se alterar na reabertura das sessões, prevista para meados de outubro, a pouco mais de duas semanas da data fixada para se efetivar a saída da UE.

Johnson provocou o intervalo nas sessões do parlamento com o objetivo declarado de ter mãos livres para negociar com Bruxelas uma revisão do acordo. Aposta nisso usando o Brexit ;duro; como carta na manga ; pelo impacto que teria também sobre os demais 27 países do bloco. A tática do confronto é a base da pré-campanha eleitoral do premiê, mas se perfila como jogada de altíssimo risco.

Nada indica, até aqui, que o chefe de governo será capaz de levar os britânicos às urnas antes de 31 de outubro. Na impossibilidade de obter nas urnas um mandato para conduzir o ;divórcio; sem concessões, Johnson pode se ver na posição de sair em camapanha depois de ter sido incapaz de cumprir a promessa de não mais adiar a saída da UE. Ou pior: como responsável por uma separação traumática, com impacto direto sobre a economia e o cotidiano da sociedade.


Eu não vou pedir outro adiamento (do Brexit);
Boris Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido



"Tentei aumentar a autoridade relativa desta legislatura, razão pela qual não pedirei desculpas;
John Bercow, presidente da Câmara dos Comuns

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