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O Brexit na Justiça

Tribunal da Escócia questiona a suspensão das sessões do parlamento britânico, determinada pelo premiê Boris Johnson para ter mãos livres na condução do "divórcio" com o bloco continental, marcado para 31 de outubro

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 12/09/2019 04:06
As bandeiras do Reino Unido e da União Europeia tremulam diante do Parlamento, em Londres: separação divide os britânicos
Dois dias depois de ter colocado em recesso o parlamento, o governo britânico se vê às voltas com mais uma disputa judicial em torno da separação do país da União Europeia (UE), o Brexit. Um tribunal da Escócia declarou ilegal a decisão do primeiro-ministro Boris Johnson, pela qual a Câmara dos Comuns volta a se reunir apenas em meados de outubro ; duas semanas antes da data fixada para a efetivação do ;divórcio; com o bloco continental.

)O governo de Londres insistiu em que ;nada mudou;, pois não foi emitida uma ordem de anulação do ato de suspensão da legislatura. E afirmou que vai apelar ao Supremo Tribunal, que, segundo analistas, deve dar razão a Johnson, devido às diferenças entre os sistemas legais da Escócia e da Inglaterra. As atividades nas duas câmaras do parlamento foram suspensas na madrugada de terça-feira, após um debate prolongado e acalorado sobre a saída da UE.

Johnson justificou a decisão pela necessidade de apresentar sua agenda para a política nacional, prática habitual quando ocorre uma mudança de governo. Os opositores de um Brexit sem acordo denunciaram a medida, porém, como uma tentativa de atar as mãos dos legisladores.

Cercada de grande pompa, a tradicional cerimônia de suspensão foi boicotada pela grande maioria dos lordes em sinal de protesto. Alguns deputados gritavam ;vergonha;, depois de denunciar um ;ultraje constitucional;.

Ontem, o tribunal de apelação de Edimburgo deu razão aos críticos de Johnson. Por unanimidade, os três juízes consideraram que a suspensão do parlamento teve como objetivo ;obstruir o Legislativo;, e declararam a medida ;ilegal;. Com isso, invalidaram a sentença da semana passada de um tribunal de instância inferior, interpelada por 78 deputados de vários partidos. A deputada Luciana Berger, do Partido Liberal Democrata, de centro, afirmou que o premiê ;amordaçou a nossa democracia;, discursando para manifestantes dianto do Palácio de Westminster, a sede do parlamento.

Foi a primeira vitória judicial dos que se opõem à polêmica decisão de Johnson de suspender o Legislativo. Outras duas ações judiciais foram apresentadas, em Belfast e em Londres. A primeira ainda está sendo examinada, enquanto a segunda, rejeitada na semana passada, será analisada pelo Supremo Tribunal em 17 de setembro.

Agora, o Supremo deve se pronunciar também sobre a ação examinada ontem em Edimburgo, em consequência do recurso apresentado pelo Executivo, que se declarou ;decepcionado; com a decisão. ;O governo do Reino Unido deve apresentar um programa legislativo nacional sólido. A suspensão do parlamento é a forma legal e necessária de fazer isso;, diz um comunicado.


Diferenças
O analista jurídico David Allen Green considera provável que a ação fracasse no próximo estágio. ;A lei escocesa é diferente;, explica. ;Em alguns pontos, é muito diferente da lei da Inglaterra e de Gales. E isso inclui uma abordagem diferente em questões de direito constitucional;, escreveu no Twitter. Ele completou que, ;por esse motivo, a ação foi apresentada na Escócia, onde os juízes e a lei seriam muito mais receptivos; aos reclamos da oposição.

Os eleitores britânicos decidiram abandonar a UE no referendo de junho de 2016, no qual o Brexit venceu com 52% dos votos. O país deveria sair do bloco em 29 de março, mas, com as seguidas rejeições dos deputados ao acordo de divórcio assinado com Bruxelas pela então primeira-ministra, Theresa May, a data foi adiada duas vezes.


Análise da notícia

A política
e as leis


; Silvio Queiroz

A sólida tradição legal inglesa e britânica pode ser uma via de duas mãos para o governo de Londres ; garante a estabilidade das instituições, mas dificulta arranjos de ocasião que possibilitem manobras de interesse circunstancial. É o que está em debate no impasse em torno do Brexit, acirrado pela iniciativa do premiê Boris Johnson de colocar em recesso o parlamento pelas próximas cinco semanas, até duas semanas antes da ;data fatal; para a separação.

Nem mesmo os partidários mais ardorosos da saída do país do bloco ignoram que a movimentação do governo teve como propósito neutralizar obstáculos. Nos dias que antecederam a suspensão das sessões, os deputados aprovaram uma lei que veda ao Executivo a conclusão do processo sem um acordo com a União Europeia (UE). O premiê, porém, não renunciou à meta com a qual chegou ao cargo ; não por uma eleição geral, mas pela escolha do Partido Conservador.

Boris Johnson prevaleceu com a promessa de efetivar o Brexit em 31 de outubro, com ou sem acerto. Em pouco mais de um mês no cargo, perdeu a maioria parlamentar, a ponto de nem mesmo conseguir apoio para convocar uma nova eleição. Em um país com tradição constitucional milenar, os tribunais podem amparar seus movimentos. Mas as leis não resolverão o impasse político em que o país se enredou desde o referendo de junho de 2016, em que uma maioria apertada (52%) optou por abandonar o barco da Europa continental.


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