postado em 15/09/2019 04:06
Fortaleza ; A artrite reumatoide (AR) é uma das doenças imunes mais comuns. Ainda não tem cura, mas o principal sintoma ; dores nas articulações ; pode ser controlado significativamente quando ocorre a remissão da doença. Para aumentar o número de pacientes que chegam ao estágio em que a AR é ;silenciada; e conseguem ter a qualidade de vida maximizada, cientistas buscam estratégias distintas. No 36; Congresso Brasileiro de Reumatologia, realizado na capital cearense, pesquisadores apresentaram alternativas farmacológicas que podem contribuir para esse objetivo.
O estágio de remissão da AR é frequente entre os pacientes, mas não se sabe por que alguns não conseguem chegar a esse estágio. ;Acreditamos que isso ocorra devido a diferenças genéticas, mas ainda não temos esses dados. Com os tratamentos disponíveis, cada vez mais, conseguimos a remissão. Hoje, quase 80% dos pacientes chegam a esse estágio. Então, nosso objetivo é voltado para os outros 20%;, explica ao Correio Eduardo Paiva, diretor científico da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
O especialista ressalta que os avanços tecnológicos têm mudado o cenário de tratamento da AR nos últimos anos. ;Antigamente, a nossa meta era deixar o paciente confortável com as medicações que tínhamos: o anti-inflamatório e os corticoides. Só que essas drogas não impediam a progressão da doença;, diz. ;Hoje, as novas medicações geram a remissão, que não é a cura;, frisa.
Pacientes que conseguem realizar o tratamento precocemente têm mais chance de chegar a esse estágio de controle. Segundo especialistas, os medicamentos biológicos, uma classe de remédios projetados para atingir diretamente o alvo da doença, contribuem para aumentar o número de pacientes que alcançam a remissão.
;Os imunobiológicos, que foram um foco importante nesse congresso, se mostram o futuro do tratamento. Eles têm feito a diferença em um dos principais objetivos: reinserir o paciente na sociedade. Ajudá-lo a voltar para o trabalho, fazendo com que tenha mais qualidade de vida;, explica José Roberto Provença, reumatologista e presidente da SBR. ;A artrite é difícil de tratar. Então, novas moléculas e também a combinação de medicamentos podem contribuir muito para essa tarefa. Hoje, os remédios biológicos têm sido mais potentes e trazido esperança;, complementa Eduardo Paiva.
Francisca Martins da Silva, 56 anos, convive com a doença desde os 10 meses de idade. Graças ao tratamento, a artrite está em remissão há mais de cinco anos. ;Meus indicadores seguem muito estáveis, e isso tudo, graças aos medicamentos. Mas claro que também realizei o tratamento corretamente, fiz tudo o que o médico me pedia;, conta.
A professora relata que, com a remissão, sua vida segue uma rotina extremamente tranquila. ;Antes, o paciente não podia nem pensar em passar perto da academia. Hoje, sabemos que a atividade física faz até bem. Eu faço musculação e pilates, o que tem me ajudado muito.; Para Francisca,a dedicação maior do paciente pode ajudar a aumentar as chances de controlar a doença. ;Eu sigo tomando os remédios quando necessário e realizo exames periódicos. Acredito que isso ajude muito a chegar à estabilidade, que é algo que precisamos manter. Não podemos estabilizar e largar o tratamento depois da melhora.;
Esperança
Entre as drogas promissoras para ajudar quem não chegou ao estágio de Francisca está a upadacitinibe. Apresentada no congresso, a molécula foi projetada para inibir a enzima JAK1, que está relacionada a inflamação do corpo. Ao desativar a sua ação, reduz as inflamações da AR. A upadacitinibe foi recentemente aprovada nos Estados Unidos ; aguarda-se a liberação para a comercialização no Brasil.
A droga foi testada em 4.400 pacientes, em cinco estudos. Após 26 semanas de tratamento, 48% dos voluntários tratados apenas com o medicamento, que é consumido de forma oral, e 41% dos tratados com upadacitinibe combinada com metotrexato (medicamento padrão usado na AR) alcançaram remissão clínica entre a 24; e a 26; sema-na. A taxa com placebo e metrotrexato foi de 9%. Apenas com metotrexato, 18%.
;Tivemos melhoras estatisticamente significativas nos resultados clínicos, e outro ponto extremamente positivo foi a alta segurança que o medicamento mostrou, algo essencial para pacientes com a artrite reumatoide;, destaca Josef Smolen, um dos autores do artigo com os resultados da pesquisa, publicado em junho na revista especializada The Lancet, e professor do Departamento de Medicina da Universidade de Viena.
Os pesquisadores ressaltam que os resultados de upadacitinibe são de extrema importância no cenário atual. ;Mesmo tendo várias opções de tratamento, com distintos mecanismos de ação, muitos pacientes ainda não conseguiram alcançar a remissão clínica ou a baixa atividade da doença, que são as metas principais de tratamento da artrite reumatoide;, frisa, em comunicado, Roy Fleishmann, um dos autores do trabalho e pesquisador da Universidade do Texas, nos EUA.
Joana Darc Rodrigues, 35 anos, é uma das pacientes que anseiam por novos medicamentos. A técnica de enfermagem recebeu o diagnóstico aos 28 anos e, desde então, luta para conseguir amenizar a doença. ;Já estou na quarta tentativa de medicamento e, mesmo com os imunobiológicos, ainda não tive a resposta que esperava;, conta.
Ela tem esperança de que surjam opções mais eficazes. ;Seria muito bom, mas acho que ainda é difícil porque a reação do organismo de cada pessoa é distinta. Acredito que é por isso que ainda não temos algo que funcione para todas as pessoas. As pesquisas poderão ajudar nisso;, aposta.
* A repórter viajou a convite da AbbVie
Identificação complicada
Além do uso de medicamentos que podem ajudar os pacientes a chegarem à remissão, cientistas buscam entender melhor como identificar esse estágio da artrite reumatoide (AR) dentro dos consultórios. Segundo eles, é necessário levar em conta uma série de fatores. ;Como definir se há artrite ou apenas uma sensibilização do paciente? Além dos exames físicos e laboratoriais, precisamos interpretar fatores como qualidade de sono e questão emocional. Apenas os dados de computador não são suficientes. É preciso ter uma certa sensibilidade para analisar os casos;, diz Eduardo Paiva, diretor científico da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR).
Para Johannes Roth, pesquisador do Departamento de Pediatria da Universidade de Ottawa, entender a remissão é um desafio que exige pesquisa. Segundo o especialista, alguns estudos têm contribuído, principalmente no tratamento de crianças com artrites crônicas. ;Ultimamente, temos contado com ferramentas de última geração que ajudam no nosso trabalho de identificar a remissão. Os ultrassons, por exemplo, permitem observar de forma mais detalhada as articulações dos mais jovens;, ilustra.
Roth conta que os métodos mudam de acordo com o especialista. Por isso a necessidade de investigar mais o tema, defende. ;Temos muitas dúvidas quanto à classificação envolvida no diagnóstico da remissão. Vemos se até sete articulações doem e definimos como remissão, mas muitos médicos apontam, em outros estudos, números mais altos;, ilustra.
O cientista acredita que o avanço da pesquisa ajudará também na definição do melhor momento para a retirada da medicação. ;Essa é outra dificuldade, pois fazemos isso basicamente como adivinhação. É quase um jogo de azar. Queremos uma base mais firme para tomar essas decisões clínicas;, explica. (VS)