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Clima de dúvidas e ameaças

Ataque a gigante petroleira acirra os ânimos na região do Golfo antes mesmo de ser completamente desvendado. EUA não acreditam no uso de drones e na participação de rebeldes iemenitas houthis. Irã e Iraque negam envolvimento

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 16/09/2019 04:06
Segundo americanos, as instalações da Aramco foram atingidas por mísseis que não partiram do Iêmen: análise de imagens de satélite

Ânimos acirrados e dúvidas sobre o que, de fato, ocorreu no ataque a instalações da grande petroleira saudita Aramco, no sábado, ganham proporções globais. Autoridades americanas acreditam que a missão não partiu do Iêmen, onde estão os rebeldes houthis, que reivindicam a investida. Irã e Iraque, apontados como principais suspeitos, negam ser protagonistas do ataque, em meio a ameaças de retaliações bélicas feitas por grupos ultraconservadores islâmicos. Riad, por sua vez, avisa que o reino ;quer e pode; responder à ;agressão terrorista;.

Há ainda a suspeita de que, em vez de drones, tenham sido usados mísseis. O alcance e a precisão do bombardeio sugerem o uso de artefatos mais complexos e que o ataque tenha partido da direção oeste noroeste, não do sul, a partir do Iêmen, segundo especialistas americanos. Existe também a possibilidade que o estrago seja maior do que o divulgado inicialmente ; análise de imagens de satélite indicam que 15 prédios podem ter sido destruídos.

Ontem, o secretário de Estado Mike Pompeo voltou a culpar o Irã pelo ocorrido. ;Em meio a todos os pedidos de redução na escala (de tensão), o Irã lançou um ataque sem precedentes ao suprimento de energia do mundo;, declarou. No sábado, Pompeo escreveu, no Twitter, que Teerã ;faz de conta; que está empenhado na diplomacia.

Menos direto, Donald Trump se pronunciou sobre o ataque na mesma rede social. ;O suprimento de petróleo da Arábia Saudita foi atacado. Há razões para acreditar que conhecemos o culpado (...). Estamos esperando notícias do Reino sobre quem eles acreditam que foi a causa desse ataque e sob quais termos procederíamos!”, tuitou.

Segundo o porta-voz do Ministério iraniano das Relações Exteriores, Abbas Musavi, os comentários americanos têm o objetivo ;de prejudicar a reputação de um país para criar um marco para futuras ações contra o Irã;. ;Acusações e comentários tão estéreis e cegos são incompreensíveis e insensatos;, afirmou, em nota. Musavi ironizou a política de ;pressão máxima; dos Estados Unidos em relação ao Irã que, segundo ele, ;aparentemente se transformou em mentira máxima, devido a seu fracasso;.

O presidente iraniano, Hassan Rohani, também investiu contra Washington. ;Em vez de culparem a si mesmos ; e admitirem que sua presença na região está criando problemas ;, os americanos culpam os países da região, ou o povo do Iêmen.; Alguns jornais noticiaram que havia a possibilidade de os projéteis terem saído de uma base do Irã no Iraque, já que milícias e facções paramilitares próximas ao Irã atuam no país. O Iraque negou qualquer tipo de relação com os incêndios.

;Guerra total;

Amirali Hajizadeh, comandante aeroespacial dos Guardiães da Revolução, a força de elite da República Islâmica, advertiu que há o risco de um confronto. As tensões atuais, ;com forças que estão frente a frente no terreno;, podem deflagrar um conflito armado, declarou, segundo a agência Tasnim. ;O Irã está preparado para uma guerra total;.

O príncipe saudita, Mohamed bin Salman, cujo país é o grande rival regional do Irã, garantiu que Riad ;quer e pode; responder à ;agressão terrorista;. Para James Dorsey, especialista em Oriente Médio na S. Rajaratnam School, em Cingapura, as chances de represálias diretas são mínimas. ;Os sauditas não querem um conflito aberto com o Irã (...). Querem que outros lutem em seu lugar, mas os outros são reticentes;, afirmou à agência France-Presse de Notícias (AFP).

O secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, mostrou-se preocupado com os desdobramentos do ataque. Em nota, pediu que ;todas as partes exerçam máxima contenção, evitando qualquer escalada nas tensões; e que cumpram a Lei Humanitária Internacional.

"Há razões para acreditar que conhecemos o culpado (...) Estamos esperando notícias do Reino sobre quem eles acreditam que foi a causa desse ataque e sob quais termos procederíamos!”
Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, pelo Twitter

Apreensão nos mercados

O ataque a duas grandes instalações petrolíferas da Aramco, além de elevar a tensão no Oriente Médio, deve causar repercussões econômicas. Considerando que mais da metade da produção saudita foi comprometida ; 5,7 milhões de barris por dia, o equivalente a 5% do abastecimento mundial ; e que o país é o primeiro exportador de petróleo do planeta, são esperados impactos no mercado global.

Uma das expectativas é de que aumente o preço dos barris de petróleo ; inicialmente, a elevação giraria de US$ 5 a US$ 10, mas o valor pode dobrar caso a produção não seja rapidamente retomada, estimam especialistas. A distribuição também poderá ser comprometida ; os sauditas transportam mais de 7 milhões de barris de petróleo para destinos globais.

Ontem, o ministro da Energia, o príncipe Abdulaziz bin Salman, garantiu que a redução na produção será compensada com os estoques. Segundo ele, Riad construiu cinco gigantescas instalações de reservas subterrâneas para poder armazenar barris.

De acordo com o presidente da Aramco, Amin Naser, estão sendo realizadas ;obras; para restabelecer a produção. Fontes americanas, porém, afirmam que os estragos causados à infraestrutura não podem ser reparados rapidamente.

Os rebeldes houthis já haviam reivindicado outros ataques à infraestrutura energética saudita. Dessa vez, porém, as consequências têm outra envergadura. A diminuição na produção de petróleo pode abalar a confiança dos investidores na Aramco, gigante do petróleo que prepara sua entrada na bolsa.

Desde os anos 1990, a Aramco investiu centenas de bilhões de dólares em projetos de expansão. Hoje, tem 260 bilhões de barris de reservas comprovadas, tornando a Arábia Saudita o segundo país com as maiores reservas do mundo, atrás da Venezuela.

Em abril, o grupo publicou, pela primeira vez, suas contas e anunciou um lucro líquido de US$ 111,1 bilhões em 2018, uma cifra 46% superior à de 2017, e renda anual de US$ 356 bilhões. A transparência nas contas é requisito para a entrada na bolsa, uma etapa-chave do Visão 2030, plano de reformas liderado pelo príncipe Mohamed bin Salman para diversificar a economia muito dependente do petróleo.


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