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Autoridades apontam para ligação do Irã em ataques na Arábia Saudita

Representante dos EUA e porta-voz da coalizão militar contra os rebeldes huthis no Iêmen acusam Teerã de bombardear as duas maiores instalações petrolíferas da Arábia Saudita. Trump se diz pronto, mas admite que gostaria de evitar a guerra

Rodrigo Craveiro
postado em 17/09/2019 06:00

fumaça vista de satéliteWashington e Riad responsabilizaram Teerã pelos bombardeios às duas principais instalações petrolíferas da Arábia Saudita, no último sábado. ;A investigação segue, e todas as indicações mostram que as armas usadas provêm do Irã;, afirmou o coronel Turki Al-Maliki, porta-voz da coalizão liderada pela Arábia Saudita contra os rebeldes huthis (xiitas) no Iêmen. Ele assegurou que os ataques não partiram do território iemenita e ameaçou uma retaliação direta contra Teerã. Para Al-Maliki, os huthis são um ;instrumento nas mãos dos Guardiães da Revolução e do regime terrorista iraniano;.


As declarações de Al-Maliki foram uma resposta ao presidente norte-americano, Donald Trump. ;Estamos armados, carregados e prontos a disparar, dependendo da verificação, mas estamos esperando ouvir do Reino (Arábia Saudita) quem eles creem que causou esse ataque;, escreveu o republicano no Twitter, na noite de domingo. No dia seguinte, Trump disse que ;está parecendo; que o Irã é o culpado pelos ataques. ;Nós deixaremos vocês saberem, definitivamente. Isso está sendo checado agora;, admitiu. ;Os Estados Unidos estão mais preparados (para um conflito). Nós certamente o evitaríamos.;

Em outro tuíte, publicado nesta segunda-feira (16/9), Trump se referiu diretamente ao Irã: ;Lembrem-se de quando o Irã abateu um drone, dizendo conscientemente que estava em seu ;espaço aéreo;, quando, na verdade, não estava nem perto. Eles se apegaram fortemente a essa história sabendo que ela era uma grande mentira. Agora, dizem que não tiveram nada a ver com o ataque à Arábia Saudita. Veremos?;

Trump recebe o príncipe herdeiro do Bahrein, Salman bin Hamad al-Khalifa:


As autoridades americanas divulgaram imagens de satélite com detalhes dos danos causados em Abqaiq, a maior unidade de tratamento de petróleo bruto no mundo, e ao campo petrolífero de Khurais. Os ataques à Arábia Saudita levaram ao maior corte de produção de petróleo da história. ;Os militares dos Estados Unidos (...) estão trabalhando com nossos parceiros para fazer frente a este ataque sem precedentes e para defender a ordem internacional, com base em um sistema de regras, contra a tentativa de miná-lo; por parte do Irã, disse o secretário de Defesa dos EUA, Mark T. Esper. Em meio à tensão ante uma possível retaliação saudita ou norte-americana, o presidente do Irã, Hassan Rohani, negou envolvimento direto nos atentados contra a infraestrutura petrolífera de Riad, mas tentou justificá-los. ;O povo do Iêmen foi obrigado a reagir. Está apenas se defendendo;, disse, em Ancra, durante entrevista coletiva com os colegas Vladimir Putin (Rússia) e Recep Tayyip Erdogan (Turquia). Segundo o líder iraniano, os iemenitas exercem ;legítima defesa; e ;reciprocidade;, ante os bombardeios contra o seu país.

Desestabilização

Em visita a Bagdá, Jens Stoltenberg, secretário geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), admitiu estar ;extremamente preocupado; com a situação e acusou o Irã de ;desestabilizar a região inteira;. A Rússia externou solidaridade com a Arábia Saudita, enquanto a China e a União Europeia defenderam moderação por parte de Washington, Riad e Teerã.

Alon Ben-Meir, professor de relações internacionais da Universidade de Nova York, disse ao Correio que pode não ter existido um envolvimento direto de Teerã nos bombardeios às refinarias. ;No entanto, o fato de Teerã suprir os rebeldes huthis com os mísseis usados os torna cúmplices;, opinou. O especialista duvida que os EUA ataquem o Irã em retaliação à ofensiva dos huthis contra a infraestrutura petrolífera saudita. ;Pelo que sei, EUA e Irã mantêm negociações em andamento com a ajuda de uma terceira parte, a fim de começarem a dialogar sobre o programa nuclear de Teerã. Por isso, acho que Trump se absterá de atacar o Irã neste momento.;

O saudita Ali Al Ahmed, especialista do Instituto para Assuntos do Golfo (em Washington), afirmou à reportagem que os mísseis e drones utilizados nos bombardeios são de origem iraniana, mas lembrou que o Iêmen também projeta armamentos baseados naqueles pertencentes ao Irã. ;Ainda acredito que o Iêmen esteja por trás dos ataques. Os Estados Unidos desejam aumentar a pressão sobre Teerã. É uma manobra conveniente: os americanos lançam o Irã no meio disso e evitam serem responsabilizados por seu papel nos crimes de guerra no Iêmen;, explicou.

Moscou oferece mísseis a Riad

O presidente russo, Vladimir Putin, ofereceu à Arábia Saudita a compra de um sistema de mísseis antiaéreos para defender seu território após os ataques registrados contra sua infraestrutura de petróleo durante o fim de semana. ;Estamos dispostos a ajudar a Arábia Saudita para que ela possa proteger seu território. Isso poderia ser feito da mesma maneira que o Irã, comprando sistemas de mísseis russos S-400;, disse Putin em Ancara. ;Essas armas certamente protegerão qualquer sítio de infraestrutura na Arábia Saudita;, acrescentou.

Análise da notícia

Hora de contenção

Uma aventura militar dos Estados Unidos contra o regime iraniano pode custar muito caro tanto para Washington quanto para os aliados. As bases norte-americanas espalhadas pelo Oriente Médio ficariam expostas a possíveis ataques retaliatórios. Israel, inimigo declarado do Irã, poderia ser o destino dos primeiros mísseis de Teerã. Uma contraofensiva israelense contra o território iraniano provavelmente empurraria a milícia xiita libanesa Hezbollah a um confronto direto com as forças do Estado judeu, depois de várias escaramuças na fronteira, nas últimas semanas.

Uma guerra de envergadura regional em um Oriente Médio historicamente deflagrado pela tensão impactaria diretamente a economia global, ante a vulnerabilidade do suprimento de petróleo, elevando o preço das commodities e dos combustíveis. Sem contar a ameaça do terrorismo islâmico, que enxerga os norte-americanos como força invasora. É provável que o próprio Donald Trump tenha a consciência dos riscos de um confronto. Tanto que, nesta segunda-feira (16/9), ele garantiu que seu país ;certamente gostaria de evitar uma guerra; com o Irã. É hora de a moderação e a contenção falarem mais alto e evitarem um desastre.

Eu acho...

;As consequências dos ataques às instalações petrolíferas serão permanentes. A condição econômica saudita vai se deteriorar e levará à fuga de capitais e de cérebros. Os investimentos estrangeiros também secarão. O governo saudita cometeu o seu maior errro ao travar uma guerra contra o Iêmen.;, Ali Al Ahmed, especialista saudita do Institute for Gulf Affairs (em Washington).

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