Mundo

Conexão diplomática

postado em 21/09/2019 04:15
Olhos e ouvidos
na sede da ONU


Poucos temas merecem menos atenção da comunidade internacional, nos próximos dias, do que o discurso do presidente Jair Bolsonaro perante a Assembleia-Geral das Nações Unidas, na próxima terça-feira. É um acaso histórico, associado à letra inicial ;b;, que explica a primazia dada ao país para abrir os desbates em Nova York. O acaso, porém, tem colocado o país em posição de inevitável atenção quando se pronuncia na abertura dos trabalhos da assembleia. Neste ano, com o discurso previsto para terça-feira, a expectativa se volta para como o presidente definirá sua posição sobre a questão crítica de como o Brasil se coloca nos esforços para controlar as mudanças do clima.

Como patrocinador da conferência Rio 1992, o país assumiu lugar de destaque na questão ambiental. Em boa parte, por falar pelo mundo em desenvolvimento, empenhado em assegurar meios para sair da economia agrária/extrativista e, ao mesmo tempo, cobrado para preservar sistemas naturais ameaçados por projetos energéticos e industriais. Passadas três décadas, o Brasil se vê na belinda pelas queimadas na Amazônia. Mais que isso, parceiros como a França, partrona do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas, cobram uma atitude compatível com a assumida pelos governos anteriores.

Vai para o trono?
O discurso de Bolsonaro pode ter impacto decisivo em um processo marcado para outubro, a renovação do Conselho de Direitos Humanos da ONU. À primeira vista, a candidatura do Brasil a mais um mandato parece uma barbada, pela lógica de um apostador. A América Latina tem duas vagas em jogo, e para elas se apresentaram Brasil e Venezuela. Basta obter os votos requeridos de 97 países-membros, de um total de 195, para que o lugar esteja assegurado. Considerando que a outra vaga latino-americana tem como candidata a Venezuela, o risco de uma humilhante derrota parece afastado. O fantasma que assombra o Itamaraty é a sangria de votos, para um país que chegou a ter a aprovação de até 184 governos, em 2012, mas em 2016 se reelegeu com apenas 137.

Estarão em pauta, na votação marcada para o mês que vem, as posições assumidas pelo país em discussões sobre direitos reprodutivos, a condição dos LGBTs e outras questões nas quais o Brasil construiu nos últimos anos uma posição de vanguarda, com reconhecimento internacional. Em poucos meses de governo Bolsonaro, o alinhamento com governos do Oriente Médio e do mundo islâmico hostis às conquistas nesse terreno colocou o país em posição delicada com os parceiros tradicionais do Ocidente, como a Europa e mesmo os Estados Unidos, que o presidente define como aliado preferencial.

Toque de Midas
Aos parceiros que acompanham o posicionamento do Brasil, não escaparam os percalços dos aliados escolhidos pelo novo presidente. Nos últimos dias, o assunto foi o revés eleitoral sofrido em Israel pelo premiê Benjamin Netanyahu, um dos poucos chefes de governo que prestigiaram a posse do presidente brasileiro. Empenhado em emplacar mais um mandato, depois de ter inscrito o nome na história do país como o governante mais longevo, Bibi parece fadado a encerrar a carreira ; e pode enfrentar os três processos por corrupção.

Israel foi um dos primeiros destinos de Jair Bolsonaro como presidente, com direito a promessas ; depois mitigadas ; de transferência da Embaixada do Brasil para Jerusalém. O ato seguiria o gesto de Donald Trump, que fez o movimento em maio de 2018, coincidindo com o 70; aniversário da fundação de Israel. No caso do Brasil, a grita veio do agronegócio, uma das bases eleitorais do presidente, preocupado com um possível boicote dos países árabes, consumidores ávidos do frango brasileiro.

Vizinho em apuros
Pior é a situação do presidente argentino, Mauricio Macri, outro ;amigo do peito;. Dentro de um mês, ele disputará nas urnas um novo mandato. E, a menos que os ventos mudem substancialmente de rumo, deve ser derrotado pelo candidato da oposição peronista, Alberto Fernández. Pior: ele tem como candidata a vice a ex-presidente Cristina Kirchner, que formou com Lula e Dilma Rousseff o núcleo dos governos de esquerda que deram o tom ao Mercosul nas últimas duas décadas.

Não bastassem as dissonâncias com o favorito, o presidente brasileiro não se furtou a tomar partido de maneira inusual na eleição argentina. Mais de uma vez, classificou a volta do peronismo ao poder como antessala para o caos.

E por falar...
Netanyahu e Macri não são os únicos aliados dos quais Bolsonaro se despede, antes de completar um ano no governo. O chanceler Ernesto Araújo empenhou-se em construir uma relação preferencial, na Europa, com representantes da ;nova direita;, que pareciam em marcha irresistível para controlar o parlamento da União Europeia. Uma das estrelas dessa corrente, o italiano Matteo Salvini, vem de perder a queda de braço na qual tentou forçar uma nova eleição, na certeza de sair como o maior partido do parlamento. Ficou fora do governo.

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