postado em 25/09/2019 06:00
A boca é considerada por muitos especialistas uma ;porta de entrada; de micro-organismos. Isso não ocorre apenas devido à sua estrutura, mas também em decorrência de uma série de características, como a temperatura e a umidade, que facilitam que bactérias se estabeleçam. Não à toa, é grande a preocupação com a saúde bucal em ambientes como as unidades de terapia intensiva (UTIs), onde pacientes ficam mais vulneráveis. A ação de bactérias indesejáveis pode provocar infecções como a pneumonia e a sepse. Em um estudo brasileiro, cientistas mostram que essas complicações podem diminuir caso o atendimento odontológico faça parte dos cuidados durante a internação.A equipe da Universidade de São Paulo (USP) analisou 254 pessoas atendidas em uma UTI na cidade de Ribeirão Preto. Uma parte dos pacientes recebeu cuidados bucais comuns da enfermagem. Outra parcela contou com a atenção extra de um dentista (Veja arte). O estudo mostrou que o cuidado especializado ; de escovação a restaurações ; evitou 56% das infecções respiratórias, como a pneumonia, se comparado ao grupo que recebeu o atendimento tradicional.
;Não só tivemos a melhora das condições bucais, mas, pela primeira vez no mundo, demonstramos que seria possível obter uma prevenção bem alta de infecções como a pneumonia e a traqueobronquite;, destaca ao Correio Fernando Bellíssimo Rodrigues, um dos autores do estudo, publicado, no ano passado, na revista especializada International Dental Journal.
O também professor da USP explica que as infecções na área de UTI são uma das maiores preocupações de especialistas da área médica. ;Essas enfermidades podem desencadear a sepse e, dessa forma, o paciente pode chegar a óbito. Nosso estudo mostra uma forma eficiente de prevenir esses problemas;, ressalta.
Nessa etapa, a equipe não analisou dados relacionados à mortalidade. ;Mas já estamos em uma segunda etapa, com 1.800 pacientes, em que vamos observar justamente taxas relacionadas a óbito;, completa Fernando Bellíssimo Rodrigues. O especialista frisa que mais pesquisas sobre o tema precisam ser feitas. ;Temos poucos estudos sobre esse tipo de cuidado, precisamos entender melhor as formas de lidar com esse paciente dentro da UTI. Acredito que só com mais pesquisas saberemos a maneira correta de proceder da melhor forma. Por isso, daremos continuidade ao estudo;, diz.
Levantamento
Também na tentativa de melhor entender os cuidados com a saúde bucal em UTIs, Davi Francisco Casa Blum, da Faculdade de Odontologia da Universidade de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, fez um levantamento com profissionais ligados ao atendimento intensivista no país. Um questionário com 26 questões foi enviado a 4.569 profissionais, e a equipe recebeu 203 respostas.
Dos participantes, 55% relataram ter o apoio de profissionais especializados em saúde bucal na unidade em que atuam. ;Vi que apenas metade das UTIs têm esse atendimento completo, feito por um especialista da área, o que é um número baixo. Ou seja, uma em cada duas UTIs analisadas não tem nenhum tipo de serviço de odontologia especializado prestado;, frisa o autor do trabalho, publicado na revista Journal of Health Sciences, no ano passado.
Recentemente, o projeto de lei (PLC 34/2013) que pede a obrigatoriedade da prestação de assistência odontológica a pacientes de internação hospitalar, pessoas com doenças crônicas e atendidas em regime domiciliar foi vetado pela Presidência da República, mas com pedido de revisão e adequação de novas exigências. Caso o projeto seja aprovado, Davi Blum acredita que os dados vistos no estudo poderão ajudar a aprimorar o atendimento odontológico em UTIs.
;Sabemos que essas unidades são locais em que o paciente precisa de total atenção e de especialistas de todas as áreas, como nutricionistas, fonoaudiólogos e psicólogos. Já temos dados que mostram como um cirurgião-dentista pode reduzir a incidência de infecções. Por isso, acredito que essa medida pode ser extremamente positiva, e esses dados do estudo poderão ajudar a aplicar essas mudanças;, justifica.
Palavra de especialista
Um elo estratégico
;Diferentemente de outros tipos de doença, aquelas que acometem o paciente crítico, na sua grande maioria, não sofrem interferência de uma única ou de poucas intervenções realizadas por um especialista. A evolução dessas patologias depende de inúmeras medidas, efetuadas por diversos tipos de profissionais e especialistas e em vários cenários de atuação. Cada uma delas é fundamental, como os elos de uma corrente, e, caracteristicamente, exige um alto grau de especialização. Dessa forma, a atuação do odontólogo na UTI, cuja perícia em seu campo de atuação é insubstituível, constitui um desses elos, essencial para a integridade da linha de cuidados ao paciente grave e agudamente enfermo e, consequentemente, agente importante na sua evolução. Assegurar a presença dos odontólogos nas UTI brasileiras implicará obrigatoriamente em melhoria na prestação de cuidados nessas unidades;
Ciro Leite, presidente da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB)