postado em 28/09/2019 04:12
Todos os ovosna mesma cesta
Da participação do presidente Jair Bolsonaro na Assembleia-Geral das Nações Unidas, na semana passada, o que ficou foi a impressão, algo generalizada, de que a política externa brasileira se orienta para uma parceria ; única e fundamental ; com os Estados Unidos de Donald Trump. Foi essa a direção identificada pelos interlocutores de diferentes quadrantes, tanto na leitura do discurso do capitão quanto na tradução dos movimentos ensaiados por ele e pela comitiva, na brevíssima passagem por Nova York.
A diplomacia delineada pelo presidente e pelo chanceler, ambos autopronunciados discípulos do ;guru; Olavo de Carvalho em questões de ideologia e relações internacionais, aponta para um Brasil alinhado quase incondicionalmente com Washington. Com exceção das questões de direitos reprodutivos, condições dos LGBTs e igualdade de gêneros: nessas, o Planalto e o Itamaraty se distanciaram dos parceiros ocidentais de sempre para fechar questão com monarquias e outros regimes reacionários do Oriente Médio.
Na visão de um diplomata com passagens pelo Brasil em diferentes momentos, nas últimas duas décadas, o governo Bolsonaro parece contrariar um ditado repetido com insistência pelos consultores de finanças de pessoais, nos programas de tevê. Aquele que fala sobre não colocar ;todos os ovos na mesma cesta;, para não correr o risco de perder tudo em um acidente. ;Quando você concentra suas relações em um parceiro só, mais ainda quando ele é mais poderoso que você e que os demais, está se atrelando aos sucessos desse aliado, mas também aos fracassos;, explica esse emissário. ;A diferença é que, para você, o preço vai sair mais caro.;
Amigos e interesses
A discussão sobre o realinhamento externo em curso desde janeiro traz de volta à berlinda outra definição clássica da diplomacia, segundo a qual ;os países não têm amigos, têm interesses;. Certa vez, questionado por jornalistas em conversa informal, o chanceler de Lula, o embaixador Celso Amorim, o ocupante mais longevo do Itamaraty desde o barão do Rio Branco, ousou uma inversão dessa máxima. ;Os países não têm amigos, têm interesses. Mas é do interesse de um país ter amigos;, ponderou. Adiante, o experiente diplomata ponderou que o fundamental, na formulação das linhas de política externa, não é desprezar as relações de amizade, mas levar sempre em conta que mesmo os amigos têm interesses próprios.
Espelho meu...
A fala de Bolsonaro na sede da ONU mereceu comentários pouco elogiosos entre uma geração de diplomatas formada nos anos Lula, sob a orientação de Amorim e de seu ;número dois;, o embaixador Samuel Pinheiro. Um deles, familiarizado com a área de planejamento de política externa ; algo como o cérebro do ministério ;, arriscou reflexões sobre a insistente afirmação de que a diplomacia brasileira estaria se livrando de ;amarras ideológicas;. ;Ele falou tanto em ideologia...e só fez pregação ideológica;, comentou. ;Socialismo, valores familiares, religião: quem fala disso na Assembleia-Geral?;
Integração em pauta
Nos primeiros meses de governo, o presidente brasileiro somou forças com os colegas da Colômbia, Iván Duque, e do Chile, Sebastián Piñera, ambos correligionários na opção pela direita e na articulação estreita com a Casa Branca de Donald Trump, para duas linhas principais de ação no âmbito da geopolítica sul-americana. Primeiro, os três governos se empenharam sem reservas na investida para isolar a Venezuela de Nicolás Maduro, inclusive com abertura para uma intervenção externa, no âmbito do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar) ; o mecanismo pelo qual, em 1965, tropas brasileiras participaram da deposição de um governo esquerdista na República Dominicana.
Dentro de um mês, porém, um ciclo de eleições na vizinhança pode mudar os termos da equação que estabelece o equilíbrio regional. Em especial, as atenções se voltam para a Argentina. A julgar pelo resultado das primárias de junho e pelas pesquisas de opinião publicadas desde então, o direitista Mauricio Macri, apoiado explicitamente por Bolsonaro, terá de passar a faixa para o desafiante da esquerda peronista, Alberto Fernández. Pior: se eleito, ele levará para a Casa Rosada, como vice, a ex-presidente Cristina Kirchner, cujo retorno foi repetidamente apontado pelo presidente brasileiro como prenúncio de uma catástrofe.
Em recente entrevista, Fernández foi claro sobre a inclinação para resgatar a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), sepultada pelo quarteto direitista hoje no poder. Mais que isso, o favorito a governar nos próximos anos o país que divide com o Brasil o comando político-econômico do Mercosul reafirmou os questionamentos ao acordo recém-concluído entre o bloco sul-americano e a União Europeia ; um trunfo diplomático desfilado por Bolsonaro em seu discurso na ONU, embora seu governo praticamente não tenha participado das negociações. Sob governo peronista, a Argentina sinaliza a disposição de travar a ratificação do tratado ; que, de resto, enfrenta resistências também na margem oposta do Atlântico.