postado em 29/09/2019 04:15
A sangrenta guerra civil entre o Exército de Libertação Popular, liderado por Mao Tsé-tung, e os nacionalistas do partido Kuomintang, comandados por Chiang Kai-shek, entre 1927 e 1949, deixou mais de 1,8 milhão de mortos. Vitorioso na batalha, Mao fez um solene discurso, em 1; de outubro de 1949, no portão da Paz Celestial (;Tiananmen;), quando fundou a República Popular da China e iniciou a supremacia absoluta do Partido Comunista Chinês (PCC) no poder. De uma nação imersa nas cicatrizes do pós-guerra, a China se tornou a superpotência do século 20. A jornada de sete décadas foi construída às custas de uma fome que dizimou milhões, no fim dos anos 1950, consequência da política industrial irrealista conhecida como o ;Grande Salto Adiante;. Conhecido como ;O Grande Timoneiro;, Mao faleceu em 9 de setembro de 1976, mesmo ano em que concluiu a chamada ;Revolução Cultural;.
O rosto do pai da China comunista está eternizado às portas da Cidade Proibida, também em Tiananmen (em Pequim), onde um massacre de manifestantes pró-democracia teria custado a vida de ao menos 3 mil pessoas, em 4 de junho de 1989. Na próxima terça-feira, o presidente Xi Jinping, sucessor alçado à importância de Mao por seu pensamento filosófico, dará uma exibição de força perante o mundo com um desfile militar para marcar o 70; aniversário do regime. Em 18 de outubro de 2017, durante o Congresso do PCC, Xi discursou por 3 horas e 23 minutos e prometeu transformar a China em superpotência econômica e bélica até 2050. Nos próximos 11 anos, planeja torná-la uma ;moderna nação socialista;.
O tom triunfante da celebração desta terça-feira deve ofuscar uma série de desafios enfrentados pela China comunista. Ao contrário do que muitos previam poucos anos atrás, o voo do dragão está repleto de turbulências. A China enfrenta uma grande guerra comercial com os Estados Unidos, além de críticas da comunidade internacional à existência de supostos campos de concentração de uigures (muçulmanos) na província de Xinjiang, da economia em desaceleração e da revolta popular em Hong Kong ; que ameaça o modelo ;um país, dois sistemas;.
Em entrevista ao Correio, Eugene Perry Link, professor de estudos sobre a China da Universidade da Califórnia, explicou que o PCC chega aos 70 anos com um dilema de como manter o controle do poder. ;Isso tem sido uma prioridade constante desde a tomada do governo, em 1949. Os temas mais imediatos com os quais o PCC precisa lidar são o desaquecimento econômico, que parece durar muito tempo; o conflito comercial com os EUA, que agrava a crise; a alta dos preços dos vegetais e da carne de porco; a gripe suína; e os protestos antigoverno e pró-democracia em Hong Kong. Tais manifestações, caso prossigam, podem inspirar ações similares em outros locais da China;, afirmou.
Segundo o estudioso, a China, enquanto nação, tem a missão de buscar formas de se livrar do domínio do PCC. ;A supremacia do partido tem provocado mais danos do que bem ao país nessas últimas sete décadas. Os principais obstáculos estão no fato de o PCC controlar a educação e a mídia pública, tornando impossível uma comunicação popular em torno do assunto; e na tendência do partido de punir pessoas que representem qualquer organização política estranha;, disse Perry Link. Ele acredita que Xi Jiping tem empurrado a China na direção contrária à da liberdade de expressão. ;Sua prioridade inquestionável é a manutenção de seu próprio poder. Xi entende que a livre expressão ou os direitos humanos para o povo chinês equivaleria a uma ameaça ao poder.;
Repressão
Perry Link não acredita que Hong Kong e Taiwan, que seguem o modelo capitalista, representem risco para Pequim. ;Eles são uma dor de cabeça para o PCC;, reconhece, ao se recusar a descartar uma repetição do massacre da Praça da Paz Celestial. ;O governo pode utilizar gás lacrimogêneo, canhões d;água, prisões arbitrárias, espancamentos e ameaças. Fazer um massacre seria algo extremamente nocivo para o PCC. Mas, se o partido chegar à conclusão de que essa é a única maneira de preservar o próprio poder, ele o fará.;
Aos 51 anos, Fengsuo Zhuo ; um dos líderes estudantis da Praça da Paz Celestial e sobrevivente do massacre de 1989 ; disse ao Correio que o principal obstáculo para a China é o próprio partido Comunista Chinês. ;Está sempre sedento de poder e exerce o controle por meio da violência e de mentiras. Agora, é uma ameaça à democracia e à liberdade do planeta, por seu alcance global através da tecnologia e do comércio. Com o partido controlando tudo, o comércio e a tecnologia podem ser transformados em armas;, advertiu. Ele defende que o mundo se una contra a expansão do PCC. ;No âmbito doméstico, o PCC está destruindo o Estado de direito e a liberdade de expressão. Todo cidadão está sob vigilância contínua, de um modo mais sombrio e o mais selvagem que se possa imaginar em 1984. Portanto, não há proteção dos direitos de propriedade e dos direitos humanos;, acrescentou, ao se referir à obra de George Orwell.
Retrato do país
População: 1,4 bilhão
Presidente: Xi Jinping (desde 2013)
Expectativa de vida: 77,2 anos (mulheres) e 74,2 anos (homens)
Acesso à internet: 829 milhões (em janeiro de 2019)
Moeda: Yuan
PIB per capita: US$ 9.771 (em 2017)
Exportações: US$ 2,2 trilhões (em 2017)
Importações: US$ 1,8 trilhão (em 2017)
Desemprego: 4,4% (em 2018)
Inflação: 2,1% (em 2018)
PIB: US$ 13,6 trilhões
Mulheres na Assembleia Popular Nacional: 24,9% de cadeiras (em 2018)
Eu acho...
;O que Xi Jinping quer dizer com um ;país socialista moderno; não está claro. Pode ser um pesadelo tecnológico, Orwelliano e não livre. Ele pode conseguir isso? Não sei. Mas seria desastroso para o povo chinês e para o mundo inteiro se ele obtivesse sucesso. O regime de Xi é menos sólido do que parece do lado de fora.;
Eugene Perry Link, professor de estudos sobre a China na Universidade da Califórnia
;Xi Jinping é um Mao Tsé-tung 2.0, a reencarnação de Mao com a globalização na era digital. Ele é muito inseguro em relação à própria legitimidade. Por isso, somente pode reforçar o controle de todos os aspectos da sociedade. Não existe esperança de que ele abra as portas para mais liberdade.;
Fengsuo Zhuo, 51 anos, um dos lideres estudantis da Praça da Paz Celestial e sobrevivente do massacre de 4 de junho de 1989