postado em 01/10/2019 04:11
Mais de 15 mil soldados, 59 pelotões, 160 aeronaves, 580 peças de artilharia e dezenas de mísseis balísticos desfilando pela Praça Tiananmen (Praça da Paz Celestial), no coração de Pequim, onde estão os restos mortais de Mao Tsé-tung, o fundador da nação. A poucas horas da parada militar em comemoração ao 70; aniversário da China comunista, o presidente Xi Jinping visitou o mausoléu de Mao e se inclinou por três vezes diante da estátua do líder que governou o país entre 1949 e 1976. Também prestou reverências ao corpo embalsamado de Mao, conservado em caixão de vidro. No local em que Mao proclamou a República Popular da China, em 1; de outubro de 1949, Xi deverá assistir, hoje, ao desfile de 80 minutos e proferir um discurso no qual destacará as conquistas do regime comunista. Em entrevista ao Correio, especialistas e dissidentes admitem que Xi, líder máximo do Partido Comunista Chinês (PCC), tentará transmitir a imagem de superpotência bélica e tecnológica, apesar de problemas internos, como a economia em desaceleração, denúncias de violações dos direitos humanos e uma rebelião em Hong Kong.
Durante recepção no Grande Salão do Povo, na véspera do aniversário, Xi prometeu ontem defender que o país siga implementando, plena e fielmente, os princípios do modelo ;um país, dois sistemas;, vigente em Hong Kong e em Macau. Ele também prometeu respeitar o ;elevado grau de autonomia; em Hong Kong. A ex-colônia britânica enfrenta a pior crise política em 22 anos, quando Londres devolveu a cidade a Pequim. ;Nós temos confiança de que, com o apoio total da pátria e os esforços conjuntos de nossos colegas chineses, em Hong Kong e em Macao, que amam a terra natal, (;) Hong Kong prosperará e progredirá ao lado do continente;, declarou Xi, segundo o site Channel News Asia.
Autor de Vigil: Hong Kong on the Brink, obra a ser lançada em fevereiro e sem título em português, Jeff Wasserstrom lembrou que, em 2015, Xi comandou um grande espetáculo militar que marcou o 70; aniversário da rendição japonesa e o fim da Segunda Guerra Mundial. ;Aquela parada incluiu equipamentos militares de última geração. A meta era mostrar ao mundo, e ainda mais à população da República Popular da China, que a nação está nas mãos de um líder forte, e é um país estável, unificado e capaz de competir com qualquer lugar do mundo em termos tecnológicos;, afirmou.
Autocrata
De acordo com Wasserstrom ; professor de história da Universidade da Califórnia, em Irvine ; Xi provavelmente esperava que a celebração do 70; aniversário de fundação da China comunista seria uma repetição do evento de 2015, porém, em escala maior, com mais soldados, tanques e armas avançadas. ;As manifestações em Hong Kong, bem como a crescente censura internacional aos abusos dos direitos humanos numa escala gigantesca em Xinjiang, tornaram esse espetáculo mais complicado. Boa parte da cobertura internacional sobre o desfile de hoje incidirá sobre a luta do povo de Hong Kong em uma sociedade cada vez mais ameaçada pelo PCC. Por sua vez, Xi será celebrado como um bom líder pela imprensa estatal de Pequim, mas criticado como um autocrata por analistas internacionais;, aposta.
Um dos líderes estudantis da Praça da Paz Celestial e sobrevivente do massacre de 4 de junho de 1989, Fengsuo Zhuo considera o desfile militar em Pequim como ;a assinatura de um tirano;. ;Isso faz com que eu me lembre de Adolf Hitler, na Alemanha. Um montante desconhecido de dinheiro foi gasto nessa parada;, observou. ;Para comunidade internacional, Xi demonstra a ambição militar de expandir um regime totalitário que anseia pela dominação mundial. No âmbito doméstico, ele pretende ampliar o próprio poder repressor.; Fengsuo vê com ceticismo as palavras do presidente chinês sobre Hong Kong. ;São promessas fracassadas. O PCC tem pressionado constantemente o povo de Hong Kong pelo controle da ex-colônia britânica, corroendo a liberdade e o Estado de direito. Somente o sufrágio universal pode garantir os ;dois sistemas;; caso contrário, a China será apenas um país.;
Morador de Hong Kong, o ativista Chan Ching Wa Jonathan, também sobrevivente do massacre de 1989, disse que Xi Jinping busca descrever o PCC como superpotência, ao exibir a força militar. ;Ele pretende anunciar a China como capaz de rivalizar com os EUA em todas as arenas.; Jonathan acha que a realidade financeira e estratégica de Hong Kong é a justificativa para a manutenção do status quo. ;A China ;precisa; de Hong Kong, pois 60% dos investimento estrangeiros diretos são feitos por meio da cidade. Dado o status especial de Hong Kong, sua importância em canalizar tecnologias ocidentais proibidas é vital, face à guerra comercial entre China e EUA;, comenta. Para ele, não há nada a comemorar hoje. ;Foram 70 anos de mentiras, de opressão, de assassinatos e de um terror sancionado pelo Estado.;
Pontos de Vista
Um sapo na linha de frente
O sapo Pepe, criação do cartonista Matt Furie, tornou-se símbolo dos manifestantes de Hong Kong. Durante anos, o personagem foi associado ao racismo e ao ódio nos Estados Unidos. Na ex-colônia britânica, os ativisatas transformaram Pepe em uma espécie de guerrilheiro da liberdade pró-democracia. A imagem do anfíbio passou a estampar murais, mochilas, adesivos, e se tornou ícone usado no WhatsApp. Pepe passou por uma metamorfose: o sapo foi caracterizado como manifestante, repórter intrépido, policial e até mesmo como Carrie Lam, chefe do governo de Hong Kong. Em entrevista à revista Time, Furie reclamou que o sapo ;pacífico; se metamorfoseou em ;ícone de ódio; pelos racistas e antissemitas. ;Eu, o criador, digo que Pepe é amor;, afirmou.
Pontos de Vista
Por Fengsuo Zhuo
Cortina de fumaça
;O desfile militar para celebrar os 70 anos da China comunista foi especialmente desenhado para desviar a atenção da retração econômica, causada pelo aumento da dívida, e da guerra comercial. É hora de esse regime assassino terminar. Já durou muito tempo.;
Um dos líderes estudantis da Praça da Paz Celestial e sobrevivente do massacre de 4 de junho de 1989
Por Andrew J. Nathan
Sementes de desordem
;Xi Jinping acredita estar cercado de inimigos, inclusive dentro da China. Para ele, defender o regime e o país requer disciplina e controle. Os direitos humanos que preocupam o Ocidente ; direitos políticos, liberdade de expressão, etc. ; são sementes de desordem para Xi.;
Professor de ciência política da Columbia University e especialista em política chinesa