postado em 03/10/2019 04:12
A Comissão Permanente de 27 integrantes que exerce o Poder Legislativo do Peru, após a dissolução do Congresso pelo presidente Matrín Vizcarra, prepara o contra-ataque por meio de recurso ao Tribunal Constitucional (TC) para que decida sobre o impasse político em que o país mergulhou desde a noite de segunda-feira. O presidente do Congresso, Pedro Olaechea, que encabeça também o organismo provisório ; de maioria oposicionista, como o plenário dissolvido ; administrava ontem o revés sofrido na madrugada, em sua queda-de-braço com Vizcarra. A primeira-vice-presidente, Mercedes Aráoz, que chegou a ser empossada por Olaechea como presidente interina, nas primeiras horas da crise, decidiu renunciar menos de 24 horas depois e deixou o chefe do Legislativo de mãos amarradas.
Pelas redes sociais, a Comissão Permanente anunciou uma reunião na qual trataria de ;autorizar o presidente do Congresso da República a interpor uma ação e a medida cautelar correspondente ante o Tribunal Constitucional;. Os parlamentares contemplavam também a possibilidade de se declarar em sessão permanente e ;deliberar sobre os atos do presidente;.
Paralelamente, na Casa de Pizarro (o palácio presidencial), Vizcarra dava sequência ao movimento dramático de segunda-feira, quando invocou um artigo constitucional para dissolver o Congresso. O presidente acusou a oposição de bloquear sua iniciativa para alterar o processo de escolha dos integrantes do TC ; pelas normas atuais, a maioria oposicionista teria o poder de instalar na cúpula do Judiciário uma maioria ao seu feitio. Ontem, Vizcarra passou a remontar o gabinete, começando pelo cargo de primeiro-ministro: o titular da Justiça, Vicente Zeballos, substituirá Salvador del Solar, que pediu demissão.
Embora tenha ganhado terreno na disputa, o presidente pode enfrentar novos obstáculos adiante, como sugeriu o deputado opositor Jorge del Castillo. Depois de lembrar que o sistema político peruano determina que o Congresso dê aval ao gabinete apresentado pelo presidente, ele lembrou que, com a legislatura suspensa, a autoridade recai sobre os 27 integrantes da Comissão Permanente. ;O que acontecerá se ela não der posse ao ministério no prazo legal de 30 dias? Vai ser dissolvida também?;, questionou.
;Estamos em um estado de acefalia;, admitiu Olaechea diante de jornalistas, em meio a especulações de que a comissão poderia estudar a nomeação de outro presidente provisório. Em carta que postou na madrugada nas redes sociais, presidente interina recém-nomeada pelo Congresso, Mercedes Aráoz, recuou da decisão tomada na véspera, ;declinou; do cargo e renunciou à condição de vice-presidente. Em resposta a correligionários que atribuíam a ele a autoridade para assumir interinamente a Presidência e convocar eleiçoes, o presidente do Congresso lembrou que os chefes militares declararam lealdade a Vizcarra, e arrematou: ;É ilusório imaginar que alguém possa governar sem o apoio das Forças Armadas;.
O impasse entre Executivo e Legislativo é apenas o desdobramento mais recente de uma crise política que tomou forma desde 2016, quando o empresário Pedro Pablo Kuczynski venceu por estreita margem a disputa presidencial com a senadora Keiko Fujimori, cujo partido domina o Congresso. Dois anos depois, Kuczynski teve de renunciar sob acusação de corrupção, somando-se aos três antecessores imediatos, todos incriminados por receberem propinas da construtora brasileira Odebrecht. Vizcarra, então o primeiro-vice-presidente, assumiu o posto, mesmo sem contar com qualquer base própria de apoio parlamentar. Mesmo assim, lançou-se a uma cruzada anticorrupção que capturou o apoio popular, em um país onde 90% dos cidadãos rejeitam o Congresso.
;Estamos em um estado de acefalia. É ilusório imaginar que alguém possa governar sem o apoio das Forças Armadas;
Pedro Olaechea, presidente do Congresso
Protesto da
Venezuela
O governo da Venezuela protestou ontem contra o Peru por ter barrado a entrada de dois magistrados do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) que participariam em Lima de um encontro jurídico ibero-americano. ;Foi-lhes negado o ingresso no país e, posteriormente, foram obrigados a voltar para a Venezuela;, afirmou o Ministério das Relações Exteriores, em comunicado.
O texto classifica o incidente como ;um atropelo; que constituiria ;violação de acordos internacionais;. Os dois juízes assistiriam a uma reunião preparatória da Cúpula Judicial
Ibero-Americana.
Os focos do impasse
A Presidência
A moção aprovada pelo Congresso na noite de segunda-feira, suspendendo do cargo o titular, Martín Vizcarra, não chegou a ser oficialmente publicada. Portanto, segundo juristas peruanos, não tem força legal. Em contrapartida, o decreto de Vizcarra dissolvendo o Congresso foi publicado. Restaria, aos opositores, recorrer ao Tribunal Constitucional. Com a renúncia da vice Mercedes Aráoz, empossada interinamente e as sessões suspensas, os parlamentares ficam sem meios para indicar outro interino.
A situação da vice
Nos termos da Constituição, a renúncia do presidentes e dos vice-presidentes tem de ser aprovada pelo Legislativo. Mercedes Aráoz, porém, renunciou ao posto de primeira-vice-presidente com o Congresso já dissolvido por decreto de Vizcarra. Nesse quadro, segundo a avaliação dos próprios parlamentares e do primeiro-ministro, Vicente Zeballos, ela permanece como vice.
O Congresso
Com a dissolução, amparada em artigo constitucional, o Poder Legislativo passa a ser exercido pela Comissão Permanente, integrada por 27 parlamentares e presidida por Pedro Olaechea ; mesmo que, ainda como presidente do Congresso, tinha dado posse à vice Merceder Aráoz. A Constituição veda, explicitamente, que sejam delegadas à Comissão Permanente matérias relativas a lei orçamentária, tratados internacionais, leis orgânicas e reforma constitucional.
As eleições
Com a publicação do decreto de Vizcarra, estão oficialmente convocadas para 26 de janeiro eleições legislativas. Texto, porém, define que seão escohidos congressistas para completar o período original da legislatura dissolvida, até julho de 2021 ; na prática, um ano e meio de mandato. A reforma eleitoral de janeiro passado, porém, proíbe a reeleição de congressistas para períodos consecutivos. Os juristas apenas começaram a examinar a questão, mas coincidem em que ela estará entre as que serão submetidas à Justiça Nacional Eleitoral.