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Equador em rebelião

Greve nacional contra o aumento no preço dos combustíveis leva o governo a decretar o estado de exceção. Onda de protestos paralisa a capital, provoca confrontos e deixa ao menos 19 manifestantes presos

postado em 04/10/2019 04:13
Entrincheirado atrás de um carro incendiado, ativista lança pedra contra a tropa de choque nas ruas de Quito: líderes do movimento prometem não ceder
O presidente do Equador, Lenín Moreno, enfrenta desde ontem uma crise semelhante, nas origens e nos desdobramentos, com as persistentes turbulências políticas, econômicas e sociais que derrubaram três governantes entre 1996 e 2007. Moreno decretou estado de emergência para fazer frente a uma greve nacional e uma onda de protestos populares contra o aumento de 123% decretado para o preço dos combustíveis. A medida foi consequência da retirada dos susídios do Estado ao óleo diesel e à gasolina, como parte de um acordo firmado em março com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

;Determinei o estado de exceção em nível nacional;, anunciou o presidente aos jornalista, no encerramento de uma reunião de gabinete. Pelo período inicial de 60 dias, prorrogável, o governo poderá restringir direitos como o de reunião, manifestação e livre circulação; terá poderes também para impor censura prévia à imprensa e convocar as Forças Armadas para garantir a ordem pública. Encurralado pela escalada dos protestos, Moreno justificou a iniciativa em nome de ;evitar o caos;. Desde ontem, as aulas estão suspensas em todo o país.

Na capital, Quito, ônibus e táxis deixaram de circular e estudantes universitários e secundaristas saíram às ruas, no âmbito da greve mais extensa vivida no Equador desde a chegada da esquerda ao poder em 2007. Confederações sindicais e organizações que representam a expressiva população indígena do país prometem se somar ao movimento. Moreno, no poder desde maio de 2017, afastou-se da política implantada ao longo de 10 anos pelo antecessor, Rafael Correa, que se define como ;socialista cristão; e hoje enfrenta processo.

De acordo com a ministra do interior, Maria Paula Romo, ao menos 19 pessoas foram presas durante as manifestações, que resultaram em confrontos com a polícia perto da sede do governo. A tropa de choque lançou bombas de gás lacrimogêneo contra as pessoas que protestavam fechando as ruas com pneus incendiados, e responderam atirando pedras.


Queda-de-braço
Com o aumento decretado pelo governo, o galão americano de diesel ; o combustível mais barato, usado em larga escala no transporte público ; passou de US$ 1,03 para US$ 2,30 dólares, e o de gasolina foi de US$ 1,85 oara US$ 2,40. Alorganizações de indígenas e sindicais também pretendem protestar contra o governo. Moreno atribui a responsabilidade pela crise e pela deterioração das finanças públicas a Correa, que ajudou a elegê-lo em 2017 e agora o acusa de ;traição;.

Na avaliação do cientista político Santiago Basabe, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), de Quito, o presidente parece apostar em uma combinação de repressão e persistência para domar a rebelião e restabelecer a ordem. ;Eu não espero que esses protestos tenham suficiente poder de pressão para obrigar o governo a voltar atrás nas medidas econômicas;, disse o analista à agência de notícias France-Presse. ;Seria um sinal de fraqueza enorme e traria problemas ainda maiores do que aqueles que (Moreno) está tentando resolver.;

Ao menos de início, porém, a disposição exibida pelos líderes da greve sugere que a queda-de-braço poderá ser prolongada e se ampliar, caso o aumento dos combustíveis não seja revisto. ;A paralisação nacional não tem prazo definido;, afirmou Abel Gómez, presidente da Federação Nacional de Cooperativas de Transporte Interprovincial de Passasgeiros (Fenacotip). ;Sabemos a suspensão (dos transportes) vai prejudicar o povo equatoriano, mas estamos exigindo os nossos direitos, e esperamos que o presidente tome a decisão acertada;, reforçou.

O secretário particular de Moreno, Juan Sebastián Roldán, descartou, porém, um recuo. ;O presidente não aceitará chantagem;, declarou. ;Os equatorianos terão de decidir qual país querem: se vamos ceder aos grupos que querem fazê-los de reféns ou se, juntos, fazemos com que desçam para empurrar o carro conosco.;


;O presidente não aceitará chantagem. Os equatoriano terão de decidir qual país querem;
Juan Sebastián Roldán, secretário da Presidência



123%
Taxa do aumento decretado nos preços da gasolina e do óleo diesel, com a retirada dos subsídios estatais



Personagem da notícia

Da esquerda
ao FMI


Na raiz do novo surto de instabilidade política no Equador está a guinada política promovida desde 2017 pelo presidente Lenín Moreno, que rompeu com a orientação socialista do antecessor e ex-aliado Rafael Correa. Ao longo de 10 anos, ele manteve um alinhamento político com a Venezuela chavista e com os demais governos de esquerda sul-americanos, como os de Lula e Dilma Rousseff, no Brasil.

Batizado com o nome do líder da Revolução Russa de 1917 e fundador da União Soviética comunista, Moreno começou a vida política como ativista estudantil no Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR), nos anos 1970. Nas décadas seguintes, militou nesse campo e assim se credenciou a integrar como vice-presidente o segundo mandato completo de Correa, entre 2007 e 2013. Quatro anos depois, elegeu-se presidente pelo partido governista Alianza País, vencendo por estreita margem o adversário de centro-direita Guillermo Lassso.

Foi em nome de superar as divisões do país e facilitar o diálogo com uma oposição fortalecida que Moreno afastou-se aceleradamente da orientação política de Correa. No plano doméstico, adotou medidas econômicas de austeridade e elegeu como prioridade o combate à corrupção. Em março passado, recorreu ao Fundo Monetário Internacional (FMI), combatido há décadas pela esquerda latino-americana.

Na frente externa, distanciou-se da Venezuela e de seu presidente, Nicolás Maduro, herdeiro de Hugo Chávez. Também esfriou as relações com a Bolívia de Evo Morales. Na prática, retirou o país da Alternativa Bolivariana para os Povos da Nossa América (Alba), patrocinada por Chávez em parceria com Cuba e Nicarágua.

Em uma iniciativa de forte simbolismo, requisitou de volta o edifício público cedido pelo antecessor para sediar a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), criada em 2010 sob inspiração de Chávez, Lula e da então presidente da Argentina, Cristina Kirchner. O gesto acompanhou a ofensiva dos novos governos de direita na região para na prática desmontar a Unasul e substituí-la por um novo projeto de integração, o Prosul, lançado no início do ano.


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