Mundo

Conexão diplomática

postado em 05/10/2019 04:14
Mares revoltos
na vizinhança


Antes de completar um ano, e com alguns de seus postos externos mais importantes sujeitos a troca de mando ; como é o caso, notoriamente, da embaixada nos Estados Unidos ;, o governo de Jair Bolsonaro se vê às voltas, na América do Sul, com um cenário muito mais convulsionado do que se poderia imaginar quando o presidente brasileiro se elegeu, no fim de outubro, e mesmo quando tomou posse, em 1; de janeiro. Não faltassem exemplos, bastaria examinar o levante contra o governo no Equador e a crise institucional no Peru.

O caso equatoriano é particularmente interessante para o Brasil porque envolve a disparada no preço dos combustíveis, cosequência da decisão crítica de retirar os subsídios estatais. Não é demais lembrar, como faz um diplomata de país vizinho, que foi a decisão de alinhar o preço dos combustíveis aos praticados nos mercados internacionais que provocou o aumento de mais de 100% ; recebido com protestos que obrigaram o governo a decretar o estado de exceção. Por aqui, o alinhamento com os preços externos passou a ser a base da política da Petrobras ; e, desde então, a conta nas bombas de gasolina só fez subir. E rápido.

Antes mesmo das turbulências no Equador, o Peru mergulhou em outro capítulo de uma crise política e institucional que se arrasta, praticamente sem refresco, desde a queda de Alberto Fujimori, em 2000. Todos os presidentes eleitos de lá para cá, além do próprio Fujimori, cumprem atualmente penas de prisão por corrupção ; com exceção de Alan García, que se suicidou.O atual titular, Martín Vizcarra, que era o primeiro-vice do último escolhido pelo voto, enfrenta uma queda de braço com o Congresso, dominado pela oposição fujimorista.

Pelo gongo
O impasse armado no início da semana no Peru motivou diplomatas da região a comentar o impasse vivido pelo Brasil quando Vizcarra dissolveu o Legislativo, na noite de segunda-feira. A maioria oposiciosta respondeu dando posse à primeira-vice. Mercedes Aráoz, e por algumas horas o país viveu a situação de ter dois presidentes. A perspectiva de ter um chefe de Estado em funções e outro bancado pelo Congresso evocou imediatamente um paralelo com a situação vivida desde o início do ano na Venezuela, onde a Assembleia Nacional, de maioria antichavista, decidiu não reconhecer o novo mandato do chavista Nicolás Maduro e nomear como titular interino o próprio presidente, Juan Guaidó.

Até hoje, o Brasil e mais de 50 países reconhecem Guaidó como interlocutor, mas o gesto não contribuiu para encaminhar a Venezuela a uma solução pacífica do impasse institucional. Para os governos que endossaram sua tentativa de substituir Maduro, restou a incômoda opção entre persistir em uma solução inócua e recompor canais de diálogo com o governo chavista.

No caso do Peru, ironizam emissários externos, o Planalto e o Itamaray foram poupados da decisão sobre o partido a tomar no imbróglio peruano. Antes mesmo que algum tipo de proposta ;frankenstein; pudesse ser explorada, Mercedes Aráoz desistiu da Presidência interina ; antes mesmo de completar 24 horas como substituta de Vizcarra. ;O Brasil foi salvo pelo gongo;, comentou um emissário latino-americano, evocando a interrupção de uma luta quando poupa um pugilista condenado ao nocaute.

Harakiri
Tampouco escapou às observações dos que acompanham a política sul-americana, a atitude demonstrada por alguns réus peruanos para contestar até o último recurso uma acusação por corrupção ou malversação de recursos, no âmbito das investigações sobre as propinas pagas a políticos pela construtora brasileira Odebrecht e escândalos anteriores de corrupção. Enquanto Alberto Fujimori e a filha Keiko, ambos presos, seguem tentando recursos legais para recuperar a liberdade, Alan García preferiu o suicídio quando a polícia foi buscá-lo em casa, em abril, com um mandado de prisão preventiva. Convencido da própria inocência, ele replicou a tradição japonesa em que o condenado opta pelo autossacrifício ritual, o harakiri.

Cuesta abajo
Completando o quadro mais imediato de inquietações e turbulências na vizinhança imediata do Brasil, protestos e saques começam a ser registrados na Argentina, na reta final para a eleição presidencial do próximo dia 27 ; dentro de três semanas. O presidente Mauricio Macri, que recebeu o apoio ostensivo do colega Jair Bolsonaro, parece resignado à derrota para a chapa do peronismo. Pior para o presidente brasileiro, o provável novo parceiro, Alberto Fernández, chega à Casa Rosada de braços com a vice Cristina Kirchner, ex-presidente, cujo retorno tem sido classificado no Planalto como ;uma catástrofe;.

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