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'Na Rússia, não existe essa ideia de que Trump é nosso aliado', diz jornalista

Jornalista russo, preso na Rússia em junho após uma série de reportagens sobre corrupção, acredita que os anos do governo de Putin foram responsáveis pela perda de direitos civis

Agência Estado
postado em 05/10/2019 11:45
Jornalista russo Ivan GolunovO jornalista russo Ivan Golunov, preso na Rússia em junho após uma série de reportagens sobre corrupção, acredita que os anos do governo de Vladimir Putin foram responsáveis pela perda de direitos civis, por uma oposição enfraquecida e pelo aumento do sentimento antiamericano, incentivado pelo Kremlin.

"Na Rússia, (Donald) Trump não é visto como um aliado", disse o jornalista, que está em São Paulo para um debate sobre jornalismo. A seguir, trechos da entrevista de Golunov ao jornal O Estado de S. Paulo.

O que mudou na Rússia com 20 anos de Putin?

Houve uma espécie de congelamento. A liberdade de expressão e de imprensa diminuiu muito e hoje em dia há uma certa distância entre o governo e as pessoas comuns. Sem liberdade de imprensa, o regime não tem um feedback do que está acontecendo. Meu caso mostrou essa distância e, de certa maneira, uniu esses dois mundos.

Como foi a sua prisão?

É difícil de explicar com poucas palavras. Era um dia comum. Terminei uma reportagem e já me preparava para encontrar outras fontes quando alguns policiais à paisana me abordaram. Eles me colocaram na viatura e ali me falaram que eram policiais trabalhando contra o narcotráfico. Fui levado para uma delegacia, distante do distrito onde vivo. Não tive acesso a advogados, nem à minha família.

Por que acha que foi libertado?

Gostaria de acreditar que é porque sou inocente. Havia uma marcha marcada para o dia seguinte e acho que o governo ficou com medo que ela tomasse proporções maiores. Mas a repercussão mundial foi muito grande. Na Rússia também. Várias pessoas começaram a ligar para o meu celular, que estava com os policiais. Inclusive pessoas famosas da Rússia, amigos jornalistas de outros países e tinha até uma chamada do Brasil.

Quem te ligou aqui do Brasil?

Não sei, até hoje estou querendo saber (risos).

Como as notícias falsas afetam a Rússia?

Na Rússia, isso é bem disseminado. Há canais alternativos para disseminação delas no Telegram, que é o aplicativo de mensagens mais popular do país. E isso é bem usado na Rússia para fazer o público opinar para determinado lado. Normalmente, são notícias anônimas.

E qual a perspectiva política da oposição com esse discurso anticorrupção?

Fico triste ao pensar sobre isso, porque não vejo ações coordenadas. São apenas ações pontuais e caóticas que não surtem efeito. Ao mesmo tempo que as pessoas acham que o governo é corrupto, acham que a oposição é financiada pelos Estados Unidos.

O presidente dos EUA, Donald Trump, tem tentado se aproximar da Rússia. Como isso é visto lá?

Na Rússia, não existe isso de que Trump é próximo. Lá, o maior mal do mundo são os Estados Unidos, muito porque o governo russo usa seus canais de imprensa para criticar os americanos. Geralmente, quem critica o governo é vinculado a agentes externos.

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