postado em 06/10/2019 04:15
Barcelona ; Apesar de avanços significativos no tratamento do câncer de pulmão de não pequenas células desde a chegada das primeiras terapias-alvo, até hoje nenhum tratamento conseguiu aumentar a sobrevida global dos pacientes. Agora, pela primeira vez, uma substância foi capaz de não apenas prolongar o tempo em que a doença se mantém controlada, mas estendeu em 30% a longevidade de pessoas com o tumor localmente avançado ou já em estágio metastático.
Apresentado no congresso Esmo 2019, da Sociedade Europeia de Oncologia Clínica, o estudo Flaura mostrou que o risco de progressão do tumor ou de morte foi 54% menor no grupo de pacientes tratados com o osimertinibe, a terceira geração de uma classe de medicamentos orais que miram mutações no gene EGFR. No Brasil, entre 20% e 25% dos pacientes de câncer de pulmão de não pequenas células têm esse tipo de erro no DNA e poderiam se beneficiar da nova terapia-alvo. A substância já está aprovada no país como tratamento de primeira linha (a primeira opção), mas ainda não foi incluída no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o que desobriga os planos de saúde a custearem a intervenção e deixa a opção de fora do Sistema Único de Saúde (SUS).
A expectativa da comunidade médica para a apresentação dos novos dados do Flaura era positiva, baseada no artigo com resultados preliminares ; de sobrevida livre de progressão e de redução de metástases cerebrais ; publicado em 2017. Agora, os autores do estudo, liderados por Suresh S. Ramalingam, do Instituto de Câncer Winship, da Universidade de Emory, relataram, de forma inédita, o aumento de sobrevida global, algo não alcançado em pesquisas anteriores, com as terapias-alvo de primeira e segunda gerações.
O estudo foi realizado com 556 pacientes com a mutação EGFR e a doença localmente avançada ou já em estado metastático, quando se espalha por outros órgãos, incluindo o cérebro. Eles foram divididos aleatoriamente em dois grupos: 279 receberam o tratamento com osimertinibe e 277, com erlotinibe ou gefitinibe, as terapias-alvo de primeira geração que ainda são o tratamento padrão em boa parte do mundo. Passados 12 meses do início da pesquisa, 89% dos participantes do braço osimertinibe continuavam vivos, contra 83% do outro grupo. Aos 24 meses, os percentuais foram 74% e 59%, respectivamente, e, 36 meses depois, 28% faziam o tratamento com a droga de terceira geração, comparados a 9% que seguiam a terapia padrão.
Enquanto em alguns países, como no Brasil e nos Estados Unidos, os resultados apresentados em 2017 foram suficientes para as agências regulatórias aprovarem o osimertinibe como primeira opção de tratamento, a terapia padrão começa com os medicamentos mais antigos, passando para a substância de terceira geração apenas quando os pacientes desenvolvem uma mutação, a T790M, que deixa o tumor resistente às intervenções. Com isso, a doença avança e leva à morte. O câncer de pulmão é a principal causa de óbito no mundo.
Primeira opção
Em uma coletiva de imprensa, Suresh S. Ramalingam defendeu que o osimertinibe seja adotado como a primeira opção de tratamento. Para ele, não faz sentido esperar que os pacientes se tornem resistentes, o que reduz o tempo de remissão da doença e, como mostrou o estudo, a sobrevida global. Ele observou que muitos pacientes do grupo de controle, que, inicialmente, seria tratado com a terapia-alvo de primeira geração, foram autorizados a receber o osimertinibe quando o câncer progrediu.
A medida, segundo Ramalingam, explicaria uma sobrevida significativa mesmo entre esses participantes. ;A sobrevida global que você vê no grupo de controle nesse estudo está entre as maiores relatadas para pacientes com mutações no gene EGFR. Mesmo com muitos pacientes sendo passados para o grupo do osimertinibe quando a doença avançou, vemos um incremento de 6,8 meses na sobrevida global com o osmiertinibe;, afirmou.
A droga, assim como as terapias-alvo das gerações anteriores, é um inibidor de tirosina-quinase, molécula que previne a produção de fatores de crescimento, que são substâncias no interior das células capazes de estimular a proliferação não só delas, mas de outras próximas. Evitando esse processo, os inibidores impedem a reprodução das células doentes, que, no caso do osimertinibe, têm defeitos no gene EGFR.
Convidada a comentar o resultado do estudo Flaura, a oncologista Pilar Garrido, do grupo de experts do Esmo e pesquisadora do Hospital Universitário Ramon y Cajal, na Espanha, ponderou que pacientes devem discutir com o médico antes de aderir ao osmiertinibe como primeira linha. De acordo com ela, enquanto que no caso dos inibidores de tirosina-quinase de primeira e segunda gerações, há a possibilidade de migrar para o de terceira em caso de falha, quando já se começa por ele, a única opção diante de resistências é a quimioterapia. ;Se quisermos saber qual a sequência mais efetiva de medicamentos, precisamos de estudos desenhados especificamente para isso.;
Já Pasi A. J;nne, pesquisador do Centro de Câncer Dana-Farber, nos Estados Unidos, defende o osmiertinibe como tratamento de primeira linha. O oncologista, que não participou do estudo e também foi convidado a comentá-lo em uma coletiva de imprensa, destacou que começar por drogas menos eficazes não é ;o tratamento clínico ótimo;. Segundo o médico, ainda não se sabe quais pacientes desenvolverão a mutação T790M, que torna o EGFR resistente aos remédios de primeira e segunda gerações. Por isso, ele acredita que é melhor começar a terapia evitando que a doença progrida rapidamente, o que diminui a qualidade de vida e a sobrevida global dos pacientes.
*A repórter viajou a convite da AstraZeneca