postado em 12/10/2019 04:16
Em sua 100; edição, uma das honrarias mais importantes do planeta voltou às origens pensadas por seu criador, o inventor sueco Alfred Nobel (1833-1896). O Comitê Norueguês decidiu entregar o Nobel da Paz ao primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed Ali, ;por seus esforços em alcançar a paz e a cooperação internacional, e em particular por sua iniciativa decisiva em resolver o conflito fronteiriço com a vizinha Eritreia;. Aos 43 anos, o premiê se tornou o único etíope e o sexto africano contemplado com a honraria, entregue a 108 indivíduos e a 27 organizações desde 1901. Na última década, apenas o então presidente colombiano, Juan Manuel Santos, tinha sido premiado em 2016 por uma ação decisiva para encerrar um conflito. ;Eu fiquei tão humilde e emocionado ao ouvir a notícia. É um prêmio dado à África e à Etiópia. Imagino que outros líderes na África pensem que é possível trabalhar nos processos de construção da paz em nosso continente;, afirmou Abiy, ao receber o telefonema de Olav Njostad, secretário do Comitê Norueguês do Nobel. ;Estou muito feliz e muito honrado.;
Ao anunciar o nome do premiado, às 11h de ontem (6h em Brasília), Berit Reiss-Andersen, presidente do Comitê, explicou que o prêmio é ;um reconhecimento às partes que trabalham pela paz e pela reconciliação, no leste e no nordeste da África;. De acordo com ela, quando assumiu a chefia de governo, em abril de 2018, Abiy deixou claro que pretendia retomar as negociações de paz com a Eritreia. ;Ele rapidamente trabalhou por um acordo de princípios para pôr fim ao longo impasse entre os dois países. Tais princípios fazem parte de declarações assinadas pelo primeiro-ministro Abiy e pelo presidente da Eritreia, Issaias Afworki, em julho e em setembro;, afirmou. ;A paz não surge de uma parte sozinha. Quando o primeiro-ministro Abiy estendeu a mão e o presidente Afworki a apertou, ajudou a formalizar o processo de paz entre dois países;, acrescentou, ao sinalizar a esperança de mudanças positivas para os povos da Etiópia e da Eritreia.
Exemplo maravilhoso
As duas décadas de conflitos entre os vizinhos deixaram dezenas de milhares de mortos. O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, saudou a escolha do Comitê Norueguês do Nobel. ;A visão de Abiy ajudou a Etiópia e a Eritreia a alcançarem uma reaproximação histórica, e sua liderança forneceu um exemplo maravilhoso para outras pessoas na África e além dela;, escreveu no Twitter. Mais tarde, por meio de um comunicado, Guterres frisou que o acordo de paz ;abriu novas oportunidades para a segurança e a estabilidade na região;.
O diplomata etíope Mohammed Ademo conheceu pessoalmente Abiy em julho de 2018, três meses depois de ele ascender ao cargo de premiê, durante uma visita do líder à diáspora em Washington. ;O prêmio é um reconhecimento à coragem de Abiy, à ousada liderança e à disposição de correr riscos para colocar fim a duas décadas de guerra com a Eritreia. Ele introduziu na região um novo tipo de política baseado no perdão, na compaixão e na grande humildade;, contou ao Correio. ;É um grande dia para a Etiópia, para o primeiro-ministro e para todos os africanos. Sem dúvida, seu reconhecimento encorajará e inspirará aqueles que lutam pela paz e pela cooperação em ambientes políticos profundamente polarizados.; Segundo Ademo, Abiy é altamente gentil, caloroso e extremamente humilde. ;Além de ser uma pessoa acessível, é um pensador rápido e fácil de conversar.;
Yalew Abate Reta, embaixador extraordinário e plenipotenciário da Etiópia no Brasil (leia o Três perguntas para), lembrou à reportagem que Abiy escapou de um ataque a granada em 23 de junho de 2018, durante um comício para dezenas de milhares de pessoas, na Praça Meskel, na capital Addis Ababa. Na ocasião, duas pessoas morreram e mais de 100 ficaram feridas. ;A ação teria sido orquestrada por grupos que pretendiam dificultar as reformas econômicas e as mudanças positivas provocadas na Europa;, explicou.
Compromisso
Segundo o embaixador, as contribuições de Abiy à paz no Chifre da África são prova do compromisso duradouro da Etiópia com a estabilidade e a segurança em todo o continente. ;O premiê normalizou as relações com a nação irmã Eritreia, depois de duas décadas de impasse, sem perder tempo. O tema foi abordado no primeiro discurso dele no Parlamento. Também desempenhou papel importante na iniciativa de paz com a União Africana para mediar o Conselho Militar Transitório e as Forças de Liberdade e de Mudança no Sudão, após a deposição do presidente Omar Hassan Al-Bashin;, disse. Para Reta, as ações de Abiy ;são um claro testemunho de que a África é dotada de sabedoria e de capacidade para resolver os próprios problemas;.
Três perguntas para
Yalew Abate Reta, embaixador extraordinário e plenipotenciário da Etiópia no Brasil
Qual é o simbolismo do Nobel da Paz para o seu povo?
O Nobel da Paz é ;um prêmio para a Etiópia e para o continente africano;, nas palavras do próprio primeiro-ministro. É um encorajamento a todos os comprometidos com a paz em todo o mundo.
O primeiro-ministro Abiy Ahmed está no poder há menos de dois anos. Como foi capaz de tantas façanhas em curto espaço de tempo?
O primeiro-ministro veio ao poder em um momento político crítico do país. Ele serviu na estrutura de governo em diferentes níveis, incluindo como ministro da Ciência e da Tecnologia, onde mostrou suas incríveis habilidades de liderança. Também conseguiu obter o apoio do povo da Etiópia, e visitou cada estado do país, imediatamente após tomar posse. Sua forte crença no ;Medemer; (uma palavra em árabe para ;vir juntos;) como base das reformas fez com que ele olhasse adiante. O apoio da comunidade internacional, especialmente dos povos e de governos de países africanos, como Eritreia, Sudão, Sudão do Sul, Djibuti e Somália, permitiram que as iniciativas pacíficas do primeiro-ministro Abiy se tornassem realidade.
Muitas pessoas entendem que o prêmio é um compromisso do premiê com a paz e a liberdade de expressão. Como o senhor vê isso?
A libertação de jornalistas e de presos políticos, a autorização para que partidos políticos banidos retornassem ao país, a alteração das infames leis antiterrorismo e de sociedade civil (CSO) estavam entre as façanhas do primeiro-ministro Abiy nos 100 primeiros dias de governo. O mundo tem sido testemunha até que ponto a Etiópia avançou desde então. O Nobel da Paz é um reconhecimento global por estamos no caminho certo e um apoio significativo para fazermos mais. (RC)
Personagem
da notícia
Da luta armada
à paz estável
Abiy Ahmed Ali nasceu a 15 de agosto de 1976 em Beshasha, uma comunidade pobre do centro-oeste da Etiópia. Sua casa não tinha energia elétrica nem água corrente e ele dormia no chão. Filho de pai muçulmano e de mãe cristã, era obrigado a buscar água em um rio próximo e somente foi conhecer a eletricidade e o asfalto aos 10 anos. Na adolescência, se envolveu na luta armada para combater o regime do ditador Mengitsu Haile Mariam. Também exerceu a função de operador de rádio e aprendeu o idioma da região de Tigray, grupo étnico majoritário na luta armada e que formou o núcleo duro do regime depois da queda de Mengitsu, em 1991.
Foi então que começou a progredir na coalizão de governo, a Frente Democrática Revolucionária do Povo Etíope (EPRDF), primeiro na área de segurança e, depois, no setor político. Alçado à patente de tenente-coronel, em 2008 ajudou a fundar a Agência Nacional de Inteligência (Insa), a qual comandou por dois anos. Em 2010, incorporou-se à política, tornando-se deputado do partido Oromo, da coalizão governista. Cinco anos depois, assumiu o Ministério de Ciência e Tecnologia. No fim de 2015, um movimento de protesto contra o governo ganhou força entre as principais comunidades do país, os oromo, a qual pertence Abiy Ahmed, e os amhara.
Apesar da repressão violenta do movimento, as manifestações provocaram a queda do primeiro-ministro Hailemariam Desalegn, símbolo de uma coalizão incapaz de apresentar respostas às aspirações da juventude. A EPRDF designou Abiy Ahmed para solucionar a situação, e ele se tornou o primeiro oromo a assumir o posto de chefe de governo, em abril de 2018. Desde que passou a comandar o país com a segunda maior população da África, aos 43 anos, abalou as bases de um regime pesado após mais de 25 anos de exercício autoritário de poder e modificou a dinâmica da região do Chifre da África. Com seis meses de governo, Abiy Ahmed realizou uma série de medidas impressionantes: assinou um acordo de paz com a vizinha Eritreia, libertou milhares de dissidentes, pediu perdão pela brutalidade do Estado e recebeu de braços abertos os integrantes de grupos exilados chamados de ;terroristas; pelos antecessores.