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Conexão diplomática

Por Silvio Queiroz silvioqueiroz.df.@dabr.com.br

postado em 19/10/2019 04:05
[FOTO1]É preciso par
para o tango


A última bateria de pesquisas sobre a eleição presidencial da Argentina, no domingo que vem, antes da proibição que entra em vigor hoje e atravessa a semana, sugere que Brasil e Argentina terão pela frente um difícil desafio para acertar o passo nos próximos anos. Com pequenas variações numéricas, elas mostram um cenário unânime: a vitória em primeiro turno da oposição peronista, com a chapa Alberto Fernández-Cristina Kirchner. Em praticamente qualquer âmbito das relações políticas e econômicas, a perspectiva é de descompasso na parceria mais importante para a definição dos rumos na América do Sul.
Não apenas porque Jair Bolsonaro tomou ostensivamente o partido do presidente Mauricio Macri, com quem formou par constante em algumas das questões-chaves da agenda regional ; da crise na Venezuela ao acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, passando pela articulação para substituir a Unasul, cria de Lula, Hugo Chávez e do casal Kirchner, pelo Prosul, costurado entre os dois e o colega chileno, Sebastián Piñera. Além de ter quase subido no palanque do vizinho, o presidente brasileiro se referiu ao possível retorno de Cristina ao governo, reiteradas vezes, como ;um desastre;.

A se confirmar o prognóstico para o dia 27, fica difícil imaginar, ao menos em futuro próximo, que o Planalto e a Casa Rosada possam dançar com a harmonia requerida a sofisticada coreografia do tango. Que, por sinal, simula o jogo de sedução e evasivas entre um casal.

Machista, pero no mucho
Na reta final de uma campanha difícil, na qual nunca deu algum sinal convicente de reação, Macri complicou-se com uma comparação recebida com mal-estar em meios políticos, com forte reprecussão de mídia e danos eleitorais acusados rapidamente pelo próprio presidente-candidato. Castigado por uma situação econômica que veio minando sua popularidade e empenhado em apontar como responsável pela crise o governo anterior ; a presidente era Cristina ;, ele recorreu a uma clássica máxima machista. ;O populismo é como quando você passa a administração da casa à sua mulher e, em vez de pagar as contas, ela usa o cartão de crédito: usa, usa, até que um dia você tem de hipotecar sua casa;, disparou.

Assustado com a tempestade de críticas, Macri rapidamente reconheceu que tinha usado ;um mau exemplo;. Apressou-se em aparecer em um ato comemorativo do ;dia da mulher rural; e anunciou a amplação da licença-paternidade, de dois para 20 dias. Mas não escapou da língua afiada de Cristina, com quem já tinha se estranhado anteriormente, quando se dirigiu aos senadores para pedir que ;não se deixassem levar pelas loucuras; da antecessora, hoje dona de uma cadeira no Senado. ;Viram?;, tuitou a agora candidata a vice. ;Não disse que ele é um machirulo?;, completou, usando um termo (igualmente clássico) do arsenal feminista.

A media luz
Com o provável retorno do peronismo, ficam na penumbra alguns dos eixos centrais da ponte aérea Brasília-Buenos Aires desde o mandato tampão de Michel Temer, quando o comando do Itamaraty passou das balizas traçadas no período Lula-Celso Amorim para as do tucanato, com José Serra e, depois, Aloysio Nunes. Uma delas, a retomada do ;DNA comercial; do Mercosul, chegou a se consumar na conclusão do acordo comercial com a União Europeia. Mas Alberto Fernández, o candidato a presidente, já sinalizou que submeterá o texto a uma detalhada revisão e pode não ratificá-lo.

De maneira até mais direta, indicou que um governo peronista tende a retirar o país do Grupo de Lima, articulação interamericana de 14 governos alinhados no propósito de tirar do comando da Venezuela o chavista Nicolás Maduro. A posição foi concatenada com o candidato da esquerda governista à eleição presidencial do Uruguai, marcada para o mesmo domingo em que os argentinos vão às urnas. Na outra margem do Rio Prata, porém, Daniel Martínez, da Frente Ampla, tem prognóstico incerto: lidera as pesquisas para o primeiro turno, com um terço das intenções de voto, mas corre sério risco no tira-teima contra um adversário da centro-direita, seja qual for.

El Condor pasa
É semelhante a situação do último remanescente do bloco de esquerda que governou a América do Sul na primeira década e meia do século. Para Evo Morales, o primeiro representante da maioria indígena a governar a Bolívia, o desafio das urnas começa hoje. Como o compañero uruguaio, Evo lidera a corrida para o primeiro turno, mas tem nos calcanhares o centrista Carlos Mesa, que foi presidente entre 2004 e 2005 e passou a faixa para o ex-líder dos cocaleiros, em 2006. Nessa ocasião, o atual presidente tinha conquistado o primeiro mandato com 56% dos votos. Reelegeu-se em 2009, sob nova Constituição, com mais de 60%, e repetiu a dose em 2014.

Desta vez, de maneira inédita, o ;último moicano; da geração de Lula, Kirchner e Tabaré Vázquez terá de passar pelo segundo turno se quiser iniciar novo mandato em 2020.

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