Agência France-Presse
postado em 22/10/2019 18:40
[FOTO1]O presidente do Chile, Sebastián Piñera, começou nesta terça-feira (22) a jogar a carta política para tentar silenciar os maciços protestos civis com um acordo social, mas os principais partidos de oposição lhe deram as costas, enquanto as revoltas, que já deixaram 15 mortos, mantinham sua intensidade.
O Partido Socialista (PS), o maior da oposição, a Frente Ampla (esquerda radical) e o Partido Comunista se abstiveram de participar da reunião convocada por Piñera para buscar um acordo social.
"Nós acreditamos que o diálogo é indispensável e urgente, mas deve ser um diálogo aberto e nós acreditamos que o chamado do presidente não cumpre essas condições", afirmou Manuel Monsalve, chefe de bancada do PS, que governou por três períodos após o retorno à democracia no Chile, em 1990.
Por outro lado, a opositora Democracia Cristã (DC) e o Partido pela Democracia compareceram à reunião. No final, seus respectivos líderes afirmaram que sugeriram a Piñera a retirada do Congresso de uma reforma tributária e outra da previdência, "insuficientes" para responder às demandas sociais. Também pediram a suspensão do estado de emergência e do toque de recolher.
"O presidente tem a palavra, as mudanças são profundas", afirmou o presidente da DC, Fuad Chahín.
"O presidente escutou com muita atenção as diferentes colocações" e em breve vai se dirigir ao país para propor uma agenda social, informou o ministro do Interior, Andrés Chadwick, ao final da reunião.
O exército anunciou o toque de recolher pelo quarto dia em Santiago, em meio a protestos que já deixaram 15 mortos, quatro deles por balas disparadas pelas forças de segurança. As outras vítimas morreram em meio a incêndios e saques, de acordo com a Promotoria. A lista inclui um cidadão peruano e um equatoriano.
Os protestos, enquanto isso, permaneciam intensos em lugares como Plaza Italia, Plaza Ñuñoa e parque Araucano, no leste de Santiago, aonde haviam chegado milhares de chilenos.
Com gritos de "Oh, oh, oh, o Chile acordou, o Chile acordou" e ao ritmo de panelaços, os jovens passavam em frente ao palácio de La Moneda, enquanto Piñera se reunia com os líderes políticos.
Santiago e a maioria das 16 regiões do Chile estão em estado de emergência e 20.000 militares e policiais trabalham para conter os violentos protestos.
Não são 30 pesos, são 30 anos
As manifestações começaram devido ao aumento do preço da tarifa do metrô em Santiago, mas derivaram em um movimento maior que põe sobre a mesa outras demandas sociais.
"O que acontece não é porque subiram o metrô em 30 pesos. Vem acontecendo há 30 anos. Temos a questão das AFP (Administradoras de Fundos de Pensões), das filas nas clínicas, listas de espera em hospitais, o custo dos remédios, os baixos salários", disse à AFP Orlando, de 55 anos.
A Central Única de Trabalhadores (CUT), o sindicato mais poderoso do Chile, e outras 18 organizações sociais convocaram greves e mobilizações para quarta e quinta-feira.
Com um transporte público limitado, o comércio e os bancos funcionando com lentidão e os protestos colapsando as ruas, os chilenos saíram para trabalhar ou estudar nesta terça suportando novamente longas filas e esperas.
O metrô de Santiago, que recebe cerca de três milhões de pessoas por dia, funcionava com apenas uma de suas sete linhas e apoiado por 4.300 ônibus públicos e táxis.
As aulas escolares permaneciam suspensas em cerca de 50 comunas da capital chilena, enquanto uma dezena de universidades não abriram. Hospitais e policlínicas funcionam normalmente.
A companhia aérea chileno-brasileira LATAM, a maior da América Latina, colocou dezenas de catres no aeroporto de Santiago desde o início dos protestos para seus passageiros afetados pelo cancelamento e reprogramação de centenas de voos.
Os mercados, enquanto isso, retornaram à calma, após protagonizarem uma queda na segunda-feira. A Bolsa fechou com alta de 0,80% após cair 4,61%, enquanto o peso fechou em 724,3 unidades por dólar, contra 727 no dia anterior.
Uma noite menos violenta
Durante a madrugada, as grandes cidades do país registraram mais calma.
Em um percurso realizado pela AFP pôde-se observar Santiago deserta, com veículos militares patrulhando as avenidas e o trânsito de comboios de carabineros (policiais).
"A cidade dormiu tranquila", disse Javier Iturriaga, general encarregado da segurança em meio ao "estado de emergência" decretado por Piñera.
Os agentes revistavam os passageiros dos poucos automóveis que circulavam com salvo-condutos concedidos pelas autoridades para emergências.
Durante a noite foram registrados, no entanto, alguns incêndios e saques em comércios, além de manifestações isoladas, dispersas pelas forças de ordem.