Rodrigo Craveiro
postado em 24/10/2019 06:00
[FOTO1]De um lado, o presidente boliviano, Evo Morales, que se diz ;quase certíssimo; da vitória no primeiro turno e intensifica os ataques à direita. ;Um golpe de Estado está em andamento. Quero que o povo boliviano saiba que até agora humildemente sofremos para evitar a violência e não entramos em confronto;, declarou o socialista. De outro, o líder opositor Carlos Mesa, que denuncia fraude nas eleições do último domingo e convoca os simpatizantes a uma ;mobilização permanente; em defesa do voto. Com a Bolívia mergulhada no limbo eleitoral e em meio a uma greve geral por tempo indeterminado, a Organização dos Estados Americanos (OEA) surpreendeu, nesta quarta-feira (23/10), ao defender que ;a melhor opção; seria convocar um segundo turno. Até o fechamento desta edição, com 97,46% dos votos apurados, Morales tinha 46,68% contra 36,85% para Mesa ; uma diferença de 9,8 pontos percentuais. Para evitar o segundo turno, Morales precisa de no mínimo 40% dos votos e uma vantagem de 10 pontos em relação ao segundo colocado.;No caso de que, concluída a contagem, a margem de diferença seja superior a 10%, estatisticamente é razoável concluir que será por uma porcentagem ínfima. Devido ao contexto e às problemáticas evidenciadas neste processo eleitoral, continuaria sendo uma melhor opção convocar um segundo turno;, sustenta um informe elaborado pela missão de observadores da OEA.
Ivan Lima, ex-magistrado do Tribunal Supremo de Justiça da Bolívia, afirmou ao Correio que resta a contagem dos votos dos departamentos de Chuqisaca e Potosí, onde Morales possui mais de 80% de popularidade. ;É possível que a diferença aumente e, por isso, o segundo turno seja descartado. O argumento de Mesa e da OEA diz respeito à paralisação da apuração por parte do TREP, o mecanismo de recontagem rápida de votos. Isso não representa fraude, atas nulas ou outro motivo que anule a eleição. Foi um erro suspender a recontagem.;
Lima acredita que, ;pela lógica e pelo senso comum;, a fraude em uma ata eleitoral é impossível. ;De cada mesa eleitoral se produz uma ata com 12 cópias, uma para cada um dos nove partidos e três outras para as autoridades eleitorais. A elas se somam os sistemas privados de controle dos partidos. Nenhuma ata apresentada foi impugnada até o momento;, comentou o ex-juiz. O governo dos Estados Unidos exortou a Bolívia a ;respeitar os votos emitidos pelo povo;. ;Nós deixamos claro que, se não fizerem isso, haverá sérias consequências em suas relações com a região;, advertiu Michael G. Kozak, subsecretário interino de Estado para Assuntos do Hemisfério Ocidental.
Violência
O impasse nas urnas acirrou os ânimos nas ruas. Desde segunda-feira, manifestantes queimaram escritórios do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) em Potosí (sudoeste), Sucre (sudeste), Cobija (norte) e Santa Cruz de La Sierra (leste) ; capital econômica e reduto da oposição. Protestos violentos entre opositores e governistas eclodiram no bairro ;Tres Mil;, em Santa Cruz, leal a Morales. Ao menos dois civis ficaram feridos.;Convoco hoje todos os nossos compatriotas que acreditam na democracia à mobilização permanente, à mobilização em defesa do voto;, declarou Mesa, nesta quarta-feira (23/10), pouco antes de falar ao Correio. ;A OEA se deu conta de que existe possibilidade de uma convulsão social, produto de determinações ativadas a partir de cabildos (assembleias) em seis dos nove departamentos do país. Esses departamentos prometeram desconhecer Morales, caso haja o mínimo de irregularidades, e convocaram greves cívicas por tempo indefinido;, explicou Jorge Dulon, cientista político e professor radicado em La Paz. O especialista defende que, caso Morales consiga uma diferença de 10% em relação a Mesa, seria melhor um segundo turno, com mais garantias. ;É uma das saídas políticas apregoadas pela oposição e por esferas da sociedade civil. Outra opção seriam eleições gerais, com um novo Tribunal Supremo Eleitoral;, disse.
Para Dulon, a denúncia feita por Morales sobre um suposto golpe se insere na estratégia política e na coerência de seu discurso de todo a vida: a perseguição do império ao governo socialista. ;Ele se vitimiza para tentar obter a coesão de todos os seguidores, como movimentos sociais e organizações corporativas. Mesa foi bastante preciso ao anunciar que não tem intenção de romper o marco democrático;, lembrou. Ele admite ;grande suscetibilidade de fraude; e adverte que o comportamento social tende a se multiplicar em todos os departamentos do país. ;Haverá bloqueios, interrupção de serviços, etc, na busca de afogar o governo. Isso vem de um estalido social, próprio da sociedade que não responde a uma linha ideológica;, acrescentou.
Morales recebeu o apoio e a solidariedade do colega venezuelano, Nicolás Maduro. ;É um golpe anunciado, cantado e, posso dizer, derrotado. O povo boliviano derrotará a violência;, avaliou o também socialista.