postado em 24/10/2019 04:15
A edição de genes é uma das tecnologias mais exploradas por cientistas nos últimos anos. Uma das apostas é o uso da técnica para tratar doenças incuráveis. Há, porém, muitos obstáculos. E, com o objetivo de vencer etapas, um grupo de cientistas americanos saiu em busca de novas substâncias que possam auxiliar nessa tarefa. Em um experimento com ratos, eles descobriram que uma molécula presente no chá-verde ajuda na modificação de genes e, com isso, no controle do diabetes. Os dados do trabalho foram apresentados na última edição da revista Science Translational Medicine.
Para realizar a edição genética, cientistas costumam usar antibióticos. Essas substâncias, porém, podem gerar efeitos colaterais ou serem inseguras a longo prazo. ;Até agora, substâncias como tetraciclina e doxiciclina foram usadas como auxiliares na expressão de genes, mas elas não são opções atraentes, pois podem levar ao desenvolvimento de resistência aos próprios antibióticos e a efeitos colaterais. As moléculas ideais para aplicações clínicas biomédicas seriam naturais, não tóxicas e, talvez, até benéficas para a saúde humana;, detalha ao Correio Haifeng Ye, professor de biologia sintética e engenharia biomédica na Universidade Normal da China Oriental e principal autor do estudo.
Haifeng Ye explica que o chá-verde já se mostrou positivo em outras pesquisas e, por isso, foi escolhido pela sua equipe. ;É uma bebida popular em todo o mundo e contém polifenóis abundantes, conhecidos por reduzir o risco de desenvolver doenças cardiovasculares e diabetes. Portanto, nos perguntamos se seria possível gerar uma mudança genética controlada por meio dessa substância. Foi assim que surgiu a ideia;, relata.
No estudo, os cientistas testaram o poder do metabólito ácido protocatecuico (PCA), presente no chá-verde. Eles projetaram uma série de células para serem ativadas pelo PCA e as inseriram em várias linhas de células humanas e de camundongos. Os resultados foram positivos: a equipe conseguiu executar uma edição mais eficiente de genes. Em uma segunda etapa, implantaram as células responsivas à PCA em modelos de camundongos e macacos com diabetes tipo 1 e 2. O corpo das cobaias passou a liberar insulina e houve diminuição nos níveis de açúcar no sangue dos animais que beberam chá-verde concentrado ou receberam PCA.
Os pesquisadores explicam que as células responsivas usadas nos experimentos poderão oferecer uma plataforma altamente flexível para controle genético, além de abrirem novas oportunidades para a medicina de precisão. ;A terapia celular é reconhecida como o próximo pilar da medicina. As terapias baseadas em células projetadas se tornarão cada vez mais importantes, mas seu uso clínico é atualmente restrito pela falta de ;gatilhos de controle; que sejam seguros e altamente específicos para regular o comportamento celular após o implante;, detalha Haifeng Ye. ;Portanto, nesse estudo, criamos o que chamamos de comutador transgênico que pode ser acionado por PCA. Acreditamos que essa nova ferramenta abra oportunidades para intervenções dinâmicas na medicina de precisão baseada em genes e células.;
Mais estudos
Para Graziela Paronetto, médica geneticista da clínica FertilCare e GENEB, de Brasília, e membro da Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica, o estudo norte-americano mostra o uso promissor de uma substância natural para uma técnica bastante complexa. ;Todo o mecanismo de engenharia feito para alterar os genes é algo extremamente complicado, e essa substância presente no chá-verde auxiliou a cumprir o objetivo dessa tecnologia, que é atingir os genes. É algo ainda muito distante de se tornar real para nós, mas que tem potencial;, avalia.
A médica ressalta que outras substâncias naturais também têm se mostrado promissoras para essa tarefa. ;Há estudos feitos por outros especialistas que mostram a cafeína com um potencial semelhante. Mas é claro que temos que deixar claro que nem o chá-verde nem o café pode ajudar a combater o diabetes. Eles servem apenas como ferramentas para essa tarefa árdua de editar os genes;, frisa.
Para os cientistas, os resultados atingidos são animadores, mas precisam ser aprimorados. Por isso, o grupo pretende dar continuidade ao trabalho e explorar maneiras de tratar outras doenças, como o câncer. ;A sensibilidade dessa nova ferramenta construída com base na substância presente no chá-verde precisa ser melhorada. Acreditamos também que o sistema desenvolvido possa ser usado para controlar células-T receptoras de antígeno quiméricas (CarT) para a terapia tumoral e também para reduzir efeitos colaterais;, detalha Haifeng Ye.
Graziela Paronetto também acredita que o estudo merece continuidade, e que pode contribuir para o tratamento de outras enfermidades. ;É um estudo ainda muito inicial, e que precisa ser aprofundado devido a sua complexidade. Essa ferramenta pode ser usada para a modificação de outros genes caso tenha sucesso e, dessa forma, ser direcionada para tipos distintos de doenças;, diz.
"As moléculas ideais para aplicações clínicas biomédicas seriam naturais, não tóxicas e,
talvez, até benéficas para a saúde humana;
Haifeng Ye, professor da Universidade Normal da China Oriental e principal autor do estudo
Para saber mais
Protegendo o coração
Uma pesquisa feita por cientistas britânicos mostrou que o chá-verde pode ajudar a evitar mortes por ataques cardíacos e derrames. Ambas as complicações estão ligadas à aterosclerose, causada pelo acúmulo de material gorduroso nas artérias, prejudicando principalmente as fibras amiloides da apoA-1.
Em testes com ratos, os cientistas descobriram que a molécula presente na bebida chamada de epigalocatequina-3-galato (EGCG) se liga às fibras amiloides da apoA-1. Essa união converte as fibras em moléculas solúveis menores, gerando menor probabilidade de danificar os vasos sanguíneos.
Apesar dos resultados positivos, os cientistas destacam que mais estudos são necessários para que a descoberta possa resultar em novos tratamentos. ;É improvável que trocar a xícara de chá por chá-verde faça uma grande diferença em relação à saúde do coração, mas com essa molécula, poderemos fazer novos medicamentos para tratar ataques cardíacos e derrames;, afirma, em comunicado, Jeremy Pearson, diretor médico da Fundação Britânica do Coração e um dos autores do estudo.