Rodrigo Craveiro
postado em 25/10/2019 06:00
[FOTO1]No início da noite desta quinta-feira (24/10), a apuração on-line do Tribunal Supremo Eleitoral da Bolívia confirmou o quarto mandato do presidente Evo Morales. Às 19h (18h em La Paz), com 99,81% dos votos apurados, Morales obteve 47,06% dos votos contra 36,52% para o opositor Carlos Mesa ; diferença de 10,54 pontos percentuais, que, segundo a Constituição, confere vitória em primeiro turno. Apesar disso, Brasil, EUA, Argentina e Colômbia divulgaram comunicado conjunto no qual defendem a realização de segundo turno, no caso de a Missão de Observação Eleitoral da Organização dos Estados Americanos (OEA) ;não estar em condições de verificar os resultados;. Segundo a nota, a nova rodada de votação seria uma forma de a Bolívia restaurar a credibilidade do sistema eleitoral. Mais cedo, a União Europeia (UE) tinha acompanhado a própria OEA e recomendado um segundo turno. Em texto assinado pela porta-voz da diplomacia europeia, Maja Kocijancic, e distribuído em La Paz, o bloco afirmou que ;compartilha plenamente da avaliação da OEA no sentido de que as autoridades bolivianas deveriam concluir o processo de contagem em curso e que a melhor opção seria realizar um segundo turno para restabelecer a confiança e assegurar o respeito pleno à escolha democrática do povo boliviano;.
Em Cochabamba, 380km a sudeste de La Paz, movimentos sociais proclamaram a vitória do primeiro presidente indígena da Bolívia. Com a voz rouca e nervoso, Morales avisou que ;a direita nunca voltará;. Em coro, os simpatizantes do partido Movimento ao Socialismo (MAS) responderam: ;Não voltarão! Não voltarão!”. ;Fora com os vendedores da pátria e os golpistas! Pátria ou morte! Nós vencemos, muito obrigado!”, gritou Morales. O líder de etnia aimará disse que aguentou bastante as acusações durante a campanha. ;Chegou a hora de dizer a verdade, pública e legalmente. A paciência do povo boliviano acabou;, acrescentou.
No poder desde 2006, Morales chegou a acenar com a possibilidade de disputar o segundo turno com o ex-presidente Mesa. ;Se o resultado final disser que vamos para o segundo turno, iremos, (mas) se o cálculo oficial disser que não há segundo turno, respeitaremos e vamos defendê-lo;, afirmou o mandatário, que atacou a OEA, na manhã desta quinta-feira (24/10). ;Não quero acreditar que a missão da OEA esteja do lado do golpe de Estado;, comentou. Em sessão do Conselho Permanente da OEA, o chanceler boliviano, Diego Pary, reforçou que há um ganhador na Bolívia e convidou os organismos internacionais a revisarem ;um a um os votos;.
Cientista político da Universidade da Califórnia San Diego, o norte-americano David Mares afirmou ao Correio que, assim como todo populista, Morales adota a retórica contra os opositores. ;O presidente reconhece a tensão e mantém a opção de segundo turno, caso a situação comece a escapar de suas mãos.;
Instabilidade
Para Mares, a apuração dos votos é tão controversa, que a OEA pediu uma recontagem na qual seus especialistas participem. ;Se não houver uma recontagem auditada pelo organismo, e Morales for declarado oficialmente vencedor, o governo enfrentará a oposição nas ruas. O país voltará à instabilidade de seus primeiros dias;, advertiu. Ex-magistrado do Tribunal Supremo de Justiça da Bolívia, Ivan Lima lembrou à reportagem que o pedido de Mesa por um segundo turno esbarra na aplicação do artigo 66 da Constituição, o qual impede a nova votação quando a diferença entre o dois primeiros colocados for maior que 10 pontos percentuais. ;Para seu pedido se concretizar, seria preciso ele se refletir em uma decisão de mesma ordem constitucional, o que é impossivel.;Jorge Dulón, cientista político e professor em La Paz, explicou ao Correio que a oposição insiste na ocorrência de fraude e em saídas políticas, entre elas um segundo turno ou novas eleições. ;Por mais que a diferença seja pouco mais de 10 pontos, a oposição quer uma decisão política, assegurando-se o segundo turno, como foi recomendado pela OEA e pela UE. O que se pede é que o presidente tome decisões políticas;, comentou. ;Morales tentou hoje (desta quinta-feira ; 24/10) dar uma exibição de força, ao avisar que usará toda a força do Estado se houver manifestação contra ele. É quase impossível que Morales aceite um segundo turno. Tudo dependerá dos protestos e da capacidade de organização da oposição.;
Oposição cria mecanismo de pressão
O candidato presidencial boliviano Carlos Mesa (E), adversário do presidente Evo Morales nas eleições de domingo passado, anunciou na noite de quarta-feira a formação de uma ;Coordenação de Defesa da Democracia;, com o objetivo de pressionar por um segundo turno. A meta da aliança entre partidos da direita e líderes centristas é ;conseguir que se cumpra a vontade popular de definir a eleição presidencial no segundo turno;, destaca uma nota publicada no Twitter. A aliança articulada por Mesa é formada pelo governador de Santa Cruz, Rubén Costas; o candidato de direita Óscar Ortiz; o empresário Samuel Doria Medina, líder da Unidade Nacional (UN, centro direita); e Fernando Camacho, executivo do Comitê Cívico Pró-Santa Cruz, da direita radical, entre outros. Em sua primeira reunião, realizada nesta quinta-feira (24/10) em La Paz, a Coordenação de Defesa da Democracia exigiu a ;imediata convocação de segundo turno, administrado de maneira idônea, independente e imparcial; e decidiu conclamar os cidadãos ;a se manterem mobilizados pacificamente, até obterem o respeito da vontade popular;.Pontos de vista
Por David MaresRevolta pacífica
;Se houver segundo turno, o descontentamento nas ruas se manifestará de forma pacífica; não creio que haja suficientes anarquistas para que a violência persista nessas condições. Se não houver segundo turno nem recontagem auditada pela OEA, a desordem seguirá e a violência aumentará, até que o governo negocie com Carlos Mesa ou adote forte repressão.;, Professor de ciência política da Universidade da Califórnia San Diego.
Por Ivan Lima
Sem provas de fraude
;Não existe nenhuma evidência ou prova de fraude. Existe uma atitude irresponsável que leva os setores mais jovens das cidades a protestar e reclamar, com base em afirmações de Carlos Mesa e de líderes da oposição. Eles pensam que Evo Morales não tinha de ser candidato e creem que a fraude está em sua habilitação como candidato, não na votação ou na apuração.;, Ex-magistrado do Tribunal Supremo de Justiça da Bolívia.