postado em 27/10/2019 04:16
[FOTO1]Os vizinhos concentrarão, hoje, todas as atenções na Argentina. Se depender das projeções políticas, o peronismo de Alberto Fernández e Cristina Fernández de Kirchner garantirá em primeiro turno a principal cadeira da Casa Rosada. Uma vitória da chapa Frente de Todos representaria a ruptura da direita e o fracasso do presidente Mauricio Macri, que pode perder com mais de 20 pontos percentuais de diferença. No contexto externo, significaria uma importante mudança no tabuleiro geopolítico da América Latina. O retorno da esquerda ao poder na segunda nação mais rica da América do Sul e a 28; do planeta também traria suspense em torno das relações entre Fernández e Jair Bolsonaro, além de dúvidas sobre o futuro da Argentina no Grupo de Lima e no Mercosul.
Os dois mandatários trocaram farpas dois meses atrás, causando um mal-estar no eleitorado argentino. Bolsonaro advertiu que, caso a ;esquerdalha; retorne ao poder, o Brasil poderá ter um novo estado de Roraima no Rio Grande do Sul ; uma alusão aos venezuelanos em fuga do país. Fernández tratou de se distanciar do brasileiro, ao reiterar que, em termos políticos, ;nada tem a ver; com Bolsonaro, a quem despejou críticas. ;É um racista, um misógino, um violento;, atacou. Brasil e Argentina são os principais parceiros comerciais da América do Sul, e o choque entre a direita de Bolsonaro e a esquerda de Fernández pode ter impacto desastroso para ambas as nações.
O cabeça de chapa de Cristina Kirchner também deixou claro que abandonará o Grupo de Lima, um conglomerado de países criado em 2017 para tentar solucionar a crise sociopolítica e econômica na Venezuela. A ideia é seguir as posições de México e Uruguai, que apoiam o presidente autodeclarado venezuelano, Juan Guaidó, e respaldar o diálogo entre o regime de Nicolás Maduro e a oposição. ;Quando a América Latina se desintegra, a região é quem perde. Devemos nos integrar, preservando o matiz político de cada nação, respeitando o que cada país decide. Esse deve ser um horizonte que nunca devemos perder de vista;, declarou Alberto Fernández.
Abandono
Bolsonaro chegou a ameaçar abandonar o Mercosul, se o peronista vencer as eleições, e colocar entraves à abertura econômica da região. Depois, acenou com o isolamento de Buenos Aires no Mercosul. ;Sabemos que a volta da turma do Foro de São Paulo da Cristina Kirchner pode, sim, colocar em risco todo o Mercosul. E em possivelmente colocando, repito, possivelmente, temos que ter uma alternativa no bolso;, comentou o brasileiro.
Raúl Aragón ; diretor do Progama de Estudos de Opinião Pública na Universidad Nacional de La Matanza (em San Justo, Argentina) ; vê como ilógico o temor de Bolsonaro quanto ao retorno da esquerda. ;O governo de Fernández de forma alguma se considera de esquerda. Ele pode ser classificado como ligeiramente de centro-esquerda, porém mais de centro. O candidato declarou que fará a linha de um governo peronista ortodoxo;, disse. Na opinião dele, Fernández terá uma percepção de responsabilidade continental. ;Ele não caracteriza o governo de Maduro como uma ditadura, mas um regime que cometeu excessos. Também entende que a crise deve ser solucionada por meio de acordos. Sua posição será de construtor de acordos, não beligerante.;
Controvérsia
O economista argentino Miguel Boggiano, CEO da Carta Financera (em Buenos Aires), avalia que, em caso de derrota de Macri, a esquerda voltará a abrir espaço na América Latina. ;Isso, apesar de nem mesmo o atual presidente acreditar que tem feito muitas políticas de direita. Várias de suas ações foram bastante próximas da esquerda. Ele aumentou os programas sociais e, por consequência, os gastos. Não me pareceu muito de direita sua forma de governar;, disse ao Correio. Boggiano guarda ceticismo em relação a um conflito entre Fernández e Bolsonaro e lembra que os políticos têm uma enorme capacidade de se reinventar. ;Seguramente, não se trata de uma relação espetacular, mas eles encontrarão maneiras de se aproximar. A Argentina e o Brasil são sócios comerciais muito importantes.;
Pesquisador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Andrés Malamud considera o Grupo de Lima ;irrelevante; e, por isso, não vê grandes impactos. ;Quanto ao Mercosul, o triunfo de Fernández pode ser fatal ou também inócuo. Tudo dependerá do pragmatismo do peronista e de Bolsonaro;, aposta.
"Em termos políticos, eu não tenho nada a ver com Bolsonaro.
Comemoro enormemente que fale mal de mim.
É um racista, um misógino, um violento;
Alberto Fernández, candidato a presidente da Argentina
Pontos de vista
Por Carlos Fara
Relações de
conveniência
;Caso Alberto Fernández vença, seu governo não será chavista, nem no âmbito interno nem na política externa. Graças às necessidades econômicas, a Argentina precisará manter boas relações com os EUA, sobretudo no que diz respeito ao tema ;Venezuela;. Com Fernández, creio que as opções do centro para a esquerda ganhariam força. Haverá influência no tabuleiro geopolítico, em uma visão muito mais global. Haverá matizes na política externa, mas não tantos impactos práticos e políticos, pelo menos em curto prazo.;
Especialista em opinião pública e comunicação de governo. Participou de 140 campanhas eleitorais na Argentina e na América Latina
Por Andrés Malamud
Crise dos
oficialismos
;Com a eventual eleição de Alberto Fernández, a América do Sul deixará de ser um bloco. A eleição argentina reflete a crise dos oficialismos, e não necessariamente da direita, em um período de turbulência global. Na América Latina, o efeito contágio de eleições da esquerda ou da direita deverá ser mínimo. Quem manda na região é a economia global. Nós dependemos mais da China e dos Estados Unidos do que dos vizinhos.;
Pesquisador argentino do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa
Por Raúl Aragón
Limite ao
neoliberalismo
;A vitória de Fernández pode estimular um limite aos governos neoliberais na América Latina. Em relação ao Brasil, não está nos planos de Fernández complicar a relação com o Brasil. Jair Bolsonaro tampouco pode romper a relação com a Argentina. Nós somos um dos sócios comerciais principais do Brasil. A indústria brasileira necessita do mercado argentino. Isso obriga Bolsonaro a recompor a relação com Fernández, uma vez passada a eleição.;
Diretor do Programa de Estudos de Opinião Pública na Universidad Nacional de La Matanza (UNLaM)