Rodrigo Craveiro
postado em 29/10/2019 06:00
[FOTO1]As trocas de agressões ficaram para trás, e o tom conciliador foi adotado pelo bem da Argentina, que enfrenta uma grave recessão econômica e o aumento da pobreza. Horas depois de se eleger o 12; presidente em 36 anos de democracia, o peronista Alberto Fernández manteve uma reunião com o atual chefe de Estado e adversário nas eleições, Mauricio Macri, e abriu espaço para uma transição pacífica. ;Irmão, não falemos mais do passado. Falemos do futuro;, afirmou Fernández, companheiro de chapa da ex-presidente Cristina Kirchner, ao iniciar o diálogo com o líder da direita. Por sua vez, Macri utilizou as redes sociais para uma demonstração de boa vontade, após a derrota nas urnas. ;Esta manhã recebi, na Casa Rosada, o presidente eleito, Alberto Fernández. Minha equipe e eu estamos dispostos a trabalhar juntos e conseguir uma transição democrática que beneficie a todos os argentinos;, comentou. Na noite desta segunda-feira (28/10), Fernández publicou praticamente a mesma mensagem em seu perfil no Twitter. Até o fechamento desta edição, com 97,14% das urnas apuradas, Fernández tinha 48,10% dos votos, enquanto Macri aparecia com 40,37%. O atual presidente também se reuniu nesta segunda-feira (28/10) com ministros para avaliar as causas do revés nas eleições. ;Nunca imaginei que fosse acabnar como líder da oposição;, desabafou Macri, segundo o jornal Clarín. Ele descartou abandonar a política.
O novo presidente, que tomará posse em 10 de dezembro, nomeou quatro assessores para impulsionar ;uma transição ordenada, capaz de levar tranquilidade a todos os argentinos;. A missão caberá à ex-deputada e ex-senadora Vilma Ibarra, ex-mulher de Fernández; a Santiago Cafiero, provável chefe de gabinete; a Eduardo ;Wado; De Pedro, cotado para a pasta do Interior; e a Gustavo Beliz, ex-funcionário do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Além do encontro com Macri, Fernández passou o dia recebendo cumprimentos de chefes de Estado e de governo ; entre eles, o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez; e os presidentes Mario Abdo Benítez (Paraguai), Sebastián Piñera (Chile), Evo Morales (Bolívia) e Martínz Vizcarra (Peru).
A diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, afirmou que espera trabalhar com o novo governo ;para fazer frente aos desafios econômicos que a Argentina enfrenta e para promover um crescimento inclusivo e sustentável, que beneficie todos os argentinos;. No ano passado, a Argentina obteve um empréstimo de US$ 57 bilhões do FMI em troca de um ajuste fiscal radical. Fernández agradeceu a Georgieva e frisou que os argentinos esperam sair o quanto antes da crise para retomar o desenvolvimento e para poder cumprir com os compromissos.
Capital político
Enrique Peruzzotti, diretor do Departamento de Ciências Políticas e Estudos Internacionais da Universidad Torcuato di Tella (em Buenos Aires), avaliou como ;cordial; o clima da reunião na Casa Rosada. ;Ambos contam com incentivos para conseguirem uma transição ordenada. Depois de uma destacada recuperação eleitoral, Macri possui capital político para preservar. Uma saída do poder em contexto de crise limaria tal capital;, explicou ao Correio. ;Para Fernández, uma transição coordenada lhe oferece respaldo na preservação das reservas financeiras e mais jogo político para iniciar as negociações com o FMI;, acrescentou. Ante a grave situação econômica, o especialista aposta que o novo presidente adotará a cautela. ;Não prevejo anúncios dramáticos, mas medidas que tentem conter a escalada da inflação. Entre elas, a convocação de um pacto social.;
Fernando Domínguez Sardou, cientista político da Pontificia Universidad Católica Argentina, admitiu que a transição arrancou de forma mais ordeira do que se esperava. ;Dados os fortes enfrentamentos entre Macri e Fernández na última parte da campanha, resultava pouco crível a ideia de um diálogo ordenado. As primeiras medidas econômicas tomadas por Macri pós-eleição foram notoriamente coordenadas entre os dois setores políticos, o que trouxe uma calma inicial aos mercados;, disse à reportagem.
Segundo Sardou, os primeiros nomes que compõem a equipe de transição são de políticos moderados. ;Por isso, não caberia esperar ações dramáticas. As mensagens de moderação foram claras desde 11 de agosto e se aprofundaram depois do triunfo nas urnas.; Ele advertiu que a frágil situação econômica representa um risco constante de desequilíbrio da transição. O especialista observou que, como Macri manteve a maioria na Câmara dos Deputados, Fernández terá de recorrer a um forte componente de negociação com outros setores políticos.
Pontos de vista
Por Enrique Peruzzotti
Populismo distante
;Não vejo condições para um cenário no qual a Argentina se transforme em uma espécie de Venezuela. Por um lado, a situação econômica é muito delicada e existe pouca margem para medidas populistas. Por outro, os resultados eleitorais estabelecem um cenário de relativa paridade política, com uma oposição que terá papel relevante. A democracia argentina se caracteriza pela maturidade. O país conseguiu superar crises dramáticas e uma situação econômica delicada, sem afetar o funcionamento de suas instituições. A atual eleição é expressão da maturidade alcançada e parece indicar a consolidação de um novo bipartidarismo, com dois eixos políticos renovados.;, Diretor do Departamento de Ciências Políticas e Estudos Internacionais da Universidad Torcuato di Tella (em Buenos Aires).
Por Fernando Domínguez Sardou
Peronismo triunfante
;Não podemos considerar o regresso do peronismo como uma falta de amadurecimento da política argentina. O peronismo é um dos atores centrais da política argentina, e, sempre que ele disputa unido, consegue eleições competitivas e, no geral, vence. Um triunfo do peronismo era previsível no atual cenário econômico e social. Dois elementos sugerem uma maior maturidade da política argentina: pela primeira vez em quase um século, um governo não peronista pode terminar seu mandato e entregar o poder a um governo peronista; surge uma aparente transição ordenada, e pela primeira vez nas mãos de um governo não peronista. A última transição ordenada foi em 1999.;, Cientista político da Pontificia Universidad Catolica Argentina (em Buenos Aires).