postado em 03/11/2019 04:15
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;Vivemos uma crise do sistema representativo;
Aos 69 anos, Ernesto Samper foi presidente da Colômbia (1994-1998) e secretário-geral da União de Nações Sul-Americanas, a Unasul (2014-2017). O currículo o credencia a observar com particular preocupação a dinâmica política da América Latina. Em entrevista exclusiva ao Correio, por e-mail, ele explicou que a região enfrenta os estertores do neoliberalismo e uma rebelião contra o populismo. Samper afirmou que o povo tem saído às ruas por não se sentir representado por seus governantes. ;Há uma crise do sistema representativo;, opinou. Para ele, o povo decidiu rejeitar as formas tradicionais de se fazer política, além do aumento de influência da direita.
Como o senhor analisa as democracias na América do Sul ante os levantes sociais no Equador, no Chile e na Bolívia?
As propostas que estão se sucedendo na América do Sul marcam o começo do fim do último experimento neoliberal na região. A restauração anunciada por governos de ideologia de direita, por meio do grupo Prosul, que era mais Pronorte, indica que a democracia das ruas chegou a esta parte do mundo. Sem poder falar ainda de uma ;Primavera Sul-Americana;, está claro que o povo se levanta contra o populismo fiscal que remove impostos das classes altas e tira os subsídios das mais baixas. Contra o populismo punitivo, que criminaliza o protesto social e eleva as penas e as condenações para todos os delitos; contra o populismo nacionalista, que detém nas fronteiras os migrantes da Venezuela, existe uma rebelião profunda em marcha entre a classe média, que se sente proletária.
Os equatorianos e os chilenos protestaram contra governos de direita. No Brasil, o governo Bolsonaro admite risco de uma convulsão social. Há prejuízo ou perda de substância do sistema político nessas nações?
Vivemos uma crise do sistema representativo. O povo saiu às ruas por não se sentir representado. Isso ocorreu nas últimas eleições regionais da Colômbia, quando coalizões de interesses locais e programas relacionados contra a corrupção ; e a favor de investimentos sociais e de mudanças de rostos na política ; tomaram bastiões tradicionais, como Bogotá, Medellín e Cartagena. O fio condutor desses protestos é a rejeição do povo às formas tradicionais de se fazer política e ao aumento da influência de poderes fácticos de direita (capacidade de agir sobre fatos jurídicos), que estão substituindo os partidos.
As democracias no Brasil, no Chile e na Argentina têm apenas 30 anos. Isso torna os governos muito mais débeis e expostos a crises frequentes?
Não se mede as democracias por anos, mas por eleições. O certo é que, nos últimos anos, desde o fim das ditaduras militares, a região realizou mais de 120 eleições, por meio das quais renovou seus mandatos e escolheu distintos projetos políticos sem considerações de ideologia. Hoje em dia, seria impensável um golpe militar nos anos 1960, como Trump tentou fazer poucos meses atrás contra a Venezuela. As Forças Armadas compreenderam que seu papel não podia ir mais além dos quartéis. O que não significa que eles não estejam preparando outros tipos de mudança que poderiam afetar a democracia, como a falta de legitimidade pela aplicação de políticas neoliberais como as que abriram caminho para a presidência de Alberto Fernández, na Argentina.
No Brasil, o Partido dos Trabalhadores se manteve e superou a crise. Na Argentina, o peronismo voltou ao poder, com Fernández. No Peru, o fujimorismo sobrevive. As velhas alternativas de poder se revelam muito mais interessantes do que as novas correntes políticas?
Creio que a região, como no caso das serpentes da Amazônia, está mudando novamente de pele. Espero que, quando o pêndulo chegar ao fim, renasçam as propostas progressistas. O Brasil, a Argentina e o México liderarão o renascimento do progressismo na América Latina, isso, eu asseguro. (RC)