postado em 05/11/2019 04:06
[FOTO1]A mudança em postos-chave do ministério e o anúncio de um pacote de medidas sociais paliativas, incluindo aumentos no salário mínimo e nas aposentadorias, não foi o bastante para livrar o presidente do Chile, Sebastián Piñera, de ver o país entrar na terceira semana de protestos contra o seu governo. Convocadas pelas redes sociais para uma ;supersegunda-feira; de manifestações, milhares de pessoas marcharam pelas ruas centrais de Santiago, e de outras grandes cidades, como Valparaiso e Viña del Mar.
Na capital, os manifestantes se concentraram desde a manhã diante dos tribunais, onde taxistas protestavam contra a cobrança de pedágio no perímetro urbano. Ao longo das horas, uma multidão de reuniu no entorno da Praça Itália, um dos focos principais da onda de contestação ao governo, com expressiva presença de estudantes. Os custos elevados da educação, motivo de revoltas recorrentes nos últimos anos, estão entre as queixas mais frisadas pelos manifestantes, ao lado dos baixos valores pagos aos pensionistas pela previdência ;100% privada ; e da defasagem progressiva dos salários.
;Ainda não terminou;, dizia ontem a convocação disseminada pelas redes sociais, traço característico de um movimento que, ao fim de três semanas, não tem uma direção política clara, a despeito da presença crescente dos sindicatos e das organizações estudantis. A explosão social teve como estopim um aumento anunciado em 18 de outubro nas tarifas do metrô. Por várias noites, estações foram incendiadas e depredadas em toda a capital, supermercados foram saqueados em bairros populares e grupos de mascarados entraram em choque com as forças de segurança. Nem mesmo a decretação do estado de emergência e do toque de recolher noturno, com o Exército patrulhando as ruas, foi suficiente para conter as manifestações, e há uma semana Piñera revogou as medidas de exceção.
;A luta continua, mas temos de levantar o país. Não convém a ninguém que o Chile despenque;, queixava-se Olga Pérez, uma contadora que se dirigia para o trabalho após uma hora e meia de viagem de ônibus. ;Ainda não temos o metrô habilitado;, lamentou a moradora de Puente Alto, subúrbio operário atingido por atos de vandalismo. O metrô da capital, que transportava cerca de 2,6 milhões de passageiros em dias úteis antes dos distúrbios, retoma aos poucos a circulação e estendeu o horário de funcionamento até as 20h. Desde a explosão dos protestos, as autoridades contabilizam 20 mortos, entre vítimas de incêndios em locais de comércio e civis baleados pelas forças de segurança.
Constituição
O retorno dos militares às ruas, pela primeira vez desde o fim da ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990), motivou denúncias de violações dos direitos humanos e o envio ao país de uma missão de observação das Nações Unidas ; a convite do próprio governo. Ontem, ativistas chilenos tiveram o reforço da guatemalteca Rogoberta Menchú, vencedora do Prêmio Nobel da Paz de 1992, para reclamar de Piñera que tome medidas para deter o excesso de violência atribuído ao Exército e aos carabineiros (a polícia militar).
Na frente política, o presidente ensaia negociações com diferentes forças de oposição ; à esquerda e à direita ; para um pacto que permita substituir a Constituição legada pela ditadura. Nas três décadas desde a redemocratização, o texto foi apenas emendado. De acordo com uma pesquisa realizada pelo instituto de pesquisas Cadem e divulgada no domingo, 87% dos chilenos apoiam a adoção de uma nova Carta Magna para o país. Piñera, por sua vez, viu a popularidade despencar e exibe hoje um índice de aprovação de 13%, o mais baixo para um presidente desde o retorno da democracia.
;A luta continua, mas temos de levantar o país. Não convém a ninguém que o Chile despenque;
Olga Pérez, moradora de Santiago