postado em 07/11/2019 04:15
[FOTO1]Pelo menos 20 mortos; mais de 1.500 feridos, incluindo manifestantes cegos pelas balas de borracha; 181 ações judiciais por casos de homicídio, torturas e violência sexual supostamente cometidos pelas forças de segurança. ;Estabelecemos transparência total nos números, porque não temos nada a esconder;, disse o presidente do Chile, Sebastián Piñera, durante ato no Palácio La Moneda, ao ser questionado sobre as denúncias de violações dos direitos humanos por parte do Estado. Um dia depois de descartar a renúncia, o líder direitista tratou de impulsionar a agenda de pacto social e enviou ao Congresso um projeto de lei para aumentar o salário mínimo, de 301 mil pesos (cerca de R$ 1.637) para 350 mil pesos (ou R$ 1.901).
;Estamos respondendo com atitudes, e não somente com boas intenções, ao que o povo tem demandado com tanta força;, anunciou o mandatário. Para muitos chilenos, a medida é considerada insuficiente e incapaz de deter os protestos, que chegaram aos bairros mais ricos de Santiago do Chile. Ontem, foram registradas manifestações no Costanera Center, o maior centro comercial da América do Sul e porta de entrada para o distrito financeiro.
;Centenas de pessoas se reuniram diante do complexo. A polícia, até agora, segue dispersando os ativistas com canhões d;água e gás lacrimogêneo. Hoje pela manhã (ontem), os comerciantes souberam da convocação do ato e baixaram as portas. O prédio foi cercado pelos carabineiros (a polícia ostensiva chilena);, contou ao Correio a fotógrafa Mariela Rojas, 41 anos, que tem participado de protestos em Santiago. ;O projeto de lei firmado é o ;salário mínimo garantido;. Isso significa que o Estado subsidiará a porcentagem necessária para alcançar a cifra mínima. Mais uma vez, dinheiro de todos os chilenos nas mãos de particulares. Uma medida cosmética, que não satisfaz nossas demandas. A sensação geral é a de que ela não detém a crise;, desabafou.
Mariela defende que a ação mais urgente do governo passa pela extinção da administração de fundo de pensões (AFP), um sistema instaurado durante a ditadura. ;Ele nos foi imposto a fogo. Mais do que um sistema provisório de poupança para os trabalhadores, é um sistema de capitalização dos grandes empresários, que criaram a riqueza do Chile às custas dos trabalhadores, que hoje recebem pensões de miséria. Um sistema que somente poderia existir em uma Constituição redigida por uma ditadura de direita;, comentou a fotógrafa.
Resposta
Professor de estudos internacionais da Universidad de Chile, Miguel Ángel López vê com bons olhos o aumento salarial proposto por Piñera. ;De qualquer forma, trata-se de uma resposta do governo. O grande problema está no fato de que o movimento social é desprovido de liderança ou de atores sociais aptos à negociação, o que torna as demandas diferentes;, explicou à reportagem. Segundo ele, Piñera pretende impulsionar um amplo pacto social. ;Alguns grupos vinculados aos protestos estão próximos à Frente Ampla, partido mais à esquerda. A intenção da maioria é manter as mobilizações nas ruas por pelo menos mais duas semanas, a fim de obter uma promessa real e cobrar prazos plausíveis para Piñera estabelecer as propostas de mudanças. López afirmou que vozes mais liberais no Congresso advogam por uma série de reformas constitucionais, que incluiriam alterações na lei de tributações.
O cientista político Marcelo Mella, professor do Departamento de História da Universidad de Santiago de Chile, concorda que a decisão de Píñera de propor o aumento do salário mínimo é uma ;tentativa do governo de responder à crise política;. ;No entanto, trata-se de uma medida limitada em seus efeitos, pois a linha de pobreza está em 420 mil pesos chilenos. A solução de Piñera mantém a brecha entre as demandas dos sindicatos e o que o governo oferece. Existe uma grave crise institucional ante a incapacidade de se elaborar nova Constituição, além de um profundo mal-estar derivado da desigualdade social provocada pelo modelo de acumulação capitalista. Por fim, há no Chile uma crise séria de representatividade, traduzida pela participação eleitoral decrescente;, disse ao Correio.
Ontem, em Brasília, o presidente Jair Bolsonaro criticou o Chile, ao comentar a partida entre as seleções brasileira e chilena, válida pela Copa do Mundo Sub-17. ;Tá na hora de bater o Chile aí, o pessoal tá fazendo bagunça lá, a gente dá um pau neles aqui;, brincou.
;Estabelecemos transparência total nos números, porque não temos nada a esconder;
Sebastián Piñera, presidente do Chile
Eu acho...
;Não existe fórmula mágica para o Estado chileno resolver o conflito em sua totalidade. É uma manifestação com grande diversidade de demandas e se trata de um mal-estar latente acumulado por duas décadas. Isso não admite receitas simples. Existem problemas que o governo pode e deve abordar, deixando para trás dogmas ideológicos ;pró-mercado; na elaboração de políticas. O que ocorre no Chile também deve ser analisado como uma expressão de mobilizações ;antiausteridade;, que tiveram grande força nos EUA, Reino Unido, França, Grécia e Espanha.;
Marcelo Mella, cientista político e professor do Departamento de História da Universidad de Santiago de Chile