Mundo

Brasil apoia bloqueio

Em decisão que fere tradição diplomática mantida desde 1992, o governo brasileiro se alinha aos EUA e a Israel e vota, na Assembleia Geral da ONU, contra resolução pelo fim do embargo à ilha. Chanceler Ernesto Araújo diz que chega de "bajular" Havana

postado em 08/11/2019 04:06
[FOTO1]
Pela primeira vez na história, o Brasil ignorou uma tradição de 27 anos e se opôs a uma resolução que pede o fim do embargo econômico a Cuba, na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). Além do Brasil, somente Estados Unidos e Israel votaram contra o texto, aprovado por 187 dos 193 países. Colômbia, Ucrânia e Moldávia se abstiveram. A resolução, juridicamente não vinculativa e não aplicável, tem forte peso simbólico, ao refletir a opinião da comunidade internacional. Consultada pelo Correio, a Embaixada de Cuba em Brasília preferiu não comentar a decisão do governo brasileiro e destacou a votação quase unânime a favor da ilha.

O presidente cubano, Miguel Díaz-Canel Bermúdez, enviou um recado às nações defensoras do embargo, sem citá-las diretamente. ;Governos lacaios mostram onde estão suas afinidades. E somente estão ao lado do império. Votar contra Cuba é votar pela continuidade do genocídio;, escreveu no Twitter, ao celebrar uma ;vitória do povo cubano e dos povos do mundo que nos acompanham na resistência;. Aliado de Havana, o venezuelano Nicolás Maduro comemorou o que seria uma ;contundente vitória de Cuba na ONU; e declarou que ;os povos livres do mundo rechaçam, uma vez mais, o criminoso bloqueio;.

Comunismo
Nos bastidores, a versão é de que o Itamaraty teria se rendido a uma pressão exercida pelos Estados Unidos. Em uma série de tuítes, os ministro das Relações Exteriores brasileiro, Ernesto Araújo, sublinhou que o Brasil ;votou a favor da verdade;. ;Nada nos solidariza com Cuba. O regime cubano, desde sua famigerada revolução, 60 anos atrás, destruiu a liberdade de seu próprio povo, executou milhares de pessoas, criou um sistema econômico de miséria e, não satisfeito, tentou exportar essa ;revolução; para toda a América Latina;, afirmou.

O chanceler acrescentou que ;o comunismo nunca se satisfaz em destruir apenas o país em que se instala, precisa sempre sair para destruir outros;. ;Traz isso no DNA. O comunismo é sempre e necessariamente um projeto de dominação transnacional e antinacional;, disse. Araújo disse ser hora de parar de bajular Cuba. Segundo ele, a influência que a ilha possui entre os países em desenvolvimento no sistema ONU é ;uma vergonha; e precisa ser rompida. ;Seu papel de sementeira de ditaduras precisa acabar.;

Anão
Por sua vez, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ; presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados ; sublinhou que, ;após décadas de submissão e dinheiro do povo brasileiro dado a ditaduras amigas do PT (Partido dos Trabalhadores), finalmente o Brasil deixa de ser um anão diplomático;. Para a ex-presidente Dilma Rousseff, o governo Jair Bolsonaro rompeu com toda uma tradição diplomática e democrática do Brasil, ;assumindo mais uma vez sua submissão ao governo Trump;. A mudança de postura do Brasil causou surpresa no cenário diplomática internacional, em especial ante o viés ideológico.

Em entrevista ao Correio, o escritor cubano Pedro Corzo, 77 anos, considerou ;muito justo e apropriado; o voto do Brasil. ;Cuba é regida por uma ditadura de seis décadas. Ainda que o embargo seja mais simbólico do que real, trata-se de um voto de repúdio ao regime castrista;, explicou o ex-preso político entre 1964 e 1972, exilado em Miami. ;A comunidade internacional decidu separar o regime sul-africano durante a política do apartheid. Por que não fazê-lo com uma ditadura que viola os direitos de seus cidadãos sistemática e permanentemente?;, questionou. Também refugiado nos EUA, a artista plástica Lia Villares, 35, o regime cubano tem utilizado o embargo como pretexto para justificar a própria ineficácia, enquanto reprime ativistas e aprisiona dissidentes. ;O povo de meu país vive na miséria por causa de um bloqueio interno que remonta à era castrista, seis décadas atrás.;

Em Havana, o intérprete de inglês Sergio Alejandro Paneque Díaz, 36, classificou de ;respeitável; a decisão ;soberana; do Brasil. ;Eu não compartilho dela, mas a respeito. Não creio que assediar um povo e tentar deixá-lo com fome e escassez seja o caminho para alcançar a meta pretendida pelos EUA com esse bloqueio;, disse à reportagem.


Vozes cubanas

Pedro Corzo, 77 anos, preso político em Cuba entre 1964 e 1972 e exilado em Miami


;Agrada-me o povo do Brasil. O embargo que afeta verdadeiramente o povo cubano é aquele imposto pela ditadura. A ditadura cubana montou uma campanha de desinformação bastante hábil, que a beneficiou notavelmente. Portanto, ela sempre obtém, nessas votações, um apoio importante.;


Lia Villares, 35 anos, artista plástica de Havana, exilada nos EUA desde 2018


;Uma parte da oposição cubana (interna e no exílio) opina que a retirada do embargo também anularia a possibilidade de ele ser usado pelo regime como escudo midiático e diplomático. Creio que o bloqueio nunca foi aplicado em sua totalidade. A lei é bem precisa quando afirma que somente será levantado se houver eleições livres na ilha, além da libertação de todos os presos políticos.;

Sergio Alejandro Paneque Díaz, 36 anos, intérprete de inglês, morador de Havana


;Esse voto não representa o Brasil, mas o seu presidente, Jair Bolsonaro, e sua maneira de entender a política exterior. O fato de o Brasil ser um governo de direita não justifica o voto, pois mais de 150 países dos que apoiaram Cuba contra o bloqueio são capitalistas, e de direita ou de centro-direita. O Brasil é e seguirá sendo uma grande nação. Sua grandeza não depende de Bolsonaro.;



Humilhação e pressão na Bolívia


Com o corpo coberto de tinta, os cabelos cortados de modo brusco e exposta à humilhação, a prefeita de Vinto, uma pequena cidade a 22km de Cochabamba (centro da Bolívia), tentou manter a dignidade, enquanto ouvia gritos de ;Assassina; e ;Esquerdista;. ;Não tenho medo por dizer minha verdade. Eu estou em um país livre. Não vou me calar e, se querem me matar, que me matem. Por esse processo de mudança darei a minha vida;, desabafou Patrícia Arce Guzmán, aliada do presidente Evo Morales e integrante do partido Movimento ao Socialismo (MAS). O ataque à prefeita, ocorrido na quarta-feira, foi alvo de repúdio mundial nas redes sociais. Ontem, o líder da oposição boliviana, Luis Fernando Camacho, tentou encurralar Morales, ao insistir em entregar pessoalmente uma carta de renúncia ao presidente. Os bispos do país iniciaram negociações preliminares com as autoridades para estabelecer um diálogo.




Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação