postado em 12/11/2019 04:15
[FOTO1]Aos gritos de ;Agora, sim, guerra civil; e armados com pedaços de madeira, indígenas simpatizantes do presidente demissionário Evo Morales marcharam, ontem, pelos 2km que separam El Alto de La Paz. Até o fechamento desta edição, confrontos entre os aimarás e a polícia tinham deixado pelo menos 20 feridos. Informações não confirmadas também citavam dois mortos. Depois de advertir que os líderes opositores Carlos Mesa (leia entrevista na página 13) e Luis Fernando Camacho, aos quais chamou conspiradores, ;entrarão para a história como racistas e golpistas;, Morales fez um apelo aos apoiadores. ;Peço ao meu povo, com muito carinho e respeito, para cuidarem da paz e não cairem na violência de grupos que buscam destruir o Estado de direito. (;) Faço um chamado urgente para resolver qualquer diferença com diálogo e concertação;, declarou, por meio do Twitter.
No prédio da Assembleia Legislativa Plurinacional da Bolívia, os 36 senadores e 160 deputados começavam uma marcha do caos à esperança. Com a promessa de vencer o vácuo de poder, depois da renúncia de Morales; do vice, Álvaro Garcia Linera; e dos líderes da Câmara e do Senado, os parlamentares se firmam na Constituição, a fim de garantir o respeito à linha sucessória.
Jeanine Añez Chavez, segunda vice-presidente do Senado e futura presidente interina (pela ordem constitucional), afirmou que convocará eleições para que ;em 22 de janeiro já tenhamos um presidente eleito;. ;Vamos convocar eleições com personalidades comprovadas, que realizem um processo eleitoral que reflita o desejo e o sentimento de todos os bolivianos;, disse.
Proteção
No fim da tarde de ontem, o chanceler mexicano, Marcelo Ebrard, revelou que Morales lhe telefonou e ;solicitou, formal e verbalmente, asilo político em nosso país;. ;Nos termos da legislação vigente, a chancelaria mexicana (;) decidiu conceder asilo político ao senhor Evo Morales, por razões humanitárias e em virtude da situação de urgência que enfrenta na Bolívia, onde sua vida e sua integridade correm perigo;, declarou, ao instar o Senado a respaldar a decisão. Rumores indicavam que o ex-presidente boliviano poderia embarcar rumo à Cidade do México ainda na noite de ontem.
Em comunicado à imprensa, a Organização dos Estados Americanos (OEA) sublinhou que, ante a crise política e institucional na Bolívia, ;rechaça qualquer saída inconstitucional para a situação;. ;A Secretaria Geral chama à pacificação e o respeito ao Estado de direito. Nesse sentido, a Secretaria Geral solicita que, de forma urgente, se reúna a Assembleia Legislativa Plurinacional da Bolívia para os efeitos de assegurar o funcionamento institucional e nomear novas autoridades eleitorais que garantam um novo processo eleitoral;, afirma.
A OEA se reunirá em Washington, às 15h de hoje (17h em Brasília), em caráter extraordinário, para debater o assunto. A sessão foi convocada a pedido de Brasil, Canadá, Colômbia, Estados Unidos, Guatemala, Peru, República Dominicana e Venezuela.
Especialistas
;Estou me resguardando. Há muita violência. Falemos em duas horas, por favor;, disse ao Correio Marcelo Arequipa, professor de ciência política da Universidade Católica Boliviana San Pablo (em La Paz). Após insistência da reportagem, ele qualificou o cenário de violência como ;muito forte;. ;Há um vazio de poder, pois o presidente renunciou e toda a linha de sucessão constitucional o seguiu. O nível de violência é enorme em algumas cidades;, lamentou. ;Além de saques, algumas pessoas ateiam fogo em residências. As forças policiais foram reduzidas, e grupos mobilizados estão se enfrentando. Isso é boliviano contra boliviano. Há relatos de trocas de tiros em El Alto;, acrescentou. Ontem, Yuri Calderón, chefe da polícia boliviana, também abandonou o posto.
Arequipa vê com ceticismo a disposição da senadora Jeanine Añez de comandar a transição. ;Ela convocou uma sessão parlamentar para amanhã (hoje). No entanto, o MAS tem o controle de dois terços do Legislativo. Não sei se o MAS permitirá que se sancione essa sessão da Assembleia e que Jeanine seja declarada presidente;, comentou.
Por sua vez, Yerko Ilijic Crosa, professor de direitos humanos da mesma universidade, acredita que os congressistas do MAS não terão escolha a não ser aceitar Jeanine como presidente. ;É uma questão de sobrevivência política. Há uma espécie de divórcio interno entre o partido e Morales. Há dois setores corporativos de apoio ao MAS e a Morales, que, em sua organização, atuam com intimidação e extorsão. Um deles é o sindicato de motoristas de transporte privado, inimigos do governo da cidade de La Paz. O outro é o Sindicato de Conselhos de Bairros em El Alto;, explicou. ;A ideia de atacar em La Paz e em El Alto é advertir que, mesmo sem Morales, eles são capazes de manter a pressão.;
Marcha em apoio a Evo na Argentina
Dezenas de milhares de pessoas marcharam no centro de Buenos Aires para expressar seu apoio ao ex-presidente da Bolívia Evo Morales. ;Evo não está sozinho, Evo não está sozinho;, gritavam manifestantes do lado de fora da sede da embaixada boliviana na Argentina, a 400m do Obelisco de Buenos Aires. Professores, funcionários públicos, grupos políticos, organizações sociais da Argentina e imigrantes bolivianos participaram da marcha, que ocorreu sem incidentes, enquanto agitavam bandeiras da Bolívia e dos povos nativos. Deputados da oposição argentina anunciaram uma sessão especial, hoje, para ;repudiar o golpe na Bolívia exigindo proteção física para Evo (Morales), Álvaro (García Linera, ex-vice-presidente) e outros líderes do MAS;, postou no Twitter o legislador Agustín Rossi, do peronista Frente de Todos. O ex-ministro de Governo Carlos Romero e a ex-ministra do Planejamento Mariana Prado estão refugiados na Embaixada da Argentina, em La Paz, por motivos humanitários.
Eu acho...
;O que deveria ocorrer era um pacto político e institucional, encabeçado pelas forças políticas de oposição do Parlamento e pelo candidato Carlos Mesa, que ficou em segundo lugar nas eleições. São eles que têm de dar viabilidade institucional ao vácuo de poder e reduzir a tensão.;
Marcelo Arequipa, doutor em ciência politica e professor da Universidade Católica Boliviana de La Paz
Bastidores
A carta de renúncia ;obrigada;
;Hoje, 10 de novembro, os humildes, os trabalhadores, os aimarás e quéchuas e indígenas das terras baixas começamos o longo caminho da resistência, para defender os históricos do primeiro governo indígena que termina hoje, com minha renúncia obrigada à presidência do Estado Plurinacional da Bolívia, produto de um golpe de Estado político cívico policial;, afirmou o presidente Evo Morales em sua carta de renúncia, entregue ontem ao Congresso. Na mensagem, ele sublinhou que sua responsabilidade, como presidente indígena e de todos os bolivianos, ;é evitar que os golpistas sigam perseguindo meus irmãos e minhas irmãs dirigentes sindicais, maltratando e sequestrando seus familiares, queimando casas de governadores;.
Solidariedade internacional
Evo Morales recebeu, ontem, manifestações de apreço vindas do Brasil e da Argentina. Em tuíte, a
ex-presidente brasileira Dilma Rousseff afirmou manifestar ;total solidariedade ao presidente legítimo da Bolívia, Evo Morales, que foi destituído por um golpe militar, teve a casa invadida pela polícia e sofreu um mandado de prisão ilegal;. ;Um atentado gravíssimo à democracia na América Latina e uma violência contra o povo boliviano;, escreveu. O argentino Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz em 1980, classificou ;o golpe de Estado na Bolívia como um atentado contra todas as democracias do mundo;. Segundo ele, governos de direita são ;cúmplices do ocorrido; por se mostrarem ;incapazes de conviver com uma Bolívia justa, educada e soberana;.
Recado à Venezuela
Ao saudar a queda de Evo Morales, o presidente dos EUA, Donald Trump, avaliou o desdobramento político como um sinal para regimes ;ilegítimos; e elogiou os militares. ;Esses eventos enviam um forte sinal aos regimes ilegítimos da Venezuela e da Nicarágua de que a democracia e a vontade do povo sempre prevalecerão;, disse.