postado em 12/11/2019 04:15
[FOTO1]O presidente do Chile, o direitista Sebastián Piñera, analisava ontem as respostas desencontradas, no meio político, ao seu aceno em favor de mudar a Constituição legada pela ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990). Profissionais da educação e da saúde, dois setores que ilustram a desigualdade social no país, voltaram ontem às ruas da capital, Santiago, no 24; dia de protestos contra o governo, como parte de uma greve geral do setor público. Em meio às reservas de seus aliados políticos e às desconfianças de setores da oposição de esquerda, Piñera começava a avançar na direção de iniciar um processo constituinte ; pela via de uma assembleia eleita com mandato para tal ou de uma reforma profunda no âmbito do parlamento, com base no trabalho de uma comissão.
Coube ao novo ministro do Interior, Gonzalo Blumel, confirmar que a vontade do presidente é optar pela convocação de um Congresso constituinte, com ;ampla participação cidadã;, para a redação de uma nova Carta que seria submetida a plebiscito de ratificação. A Constituição atual, redigida sob a ditadura sob influência direta do ;ideólogo; de Pinochet, Jaime Guzmán, foi referendada por voto popular em 1980, em condições políticas nas quais a aprovação ao texto é vista hoje como ;a maior fraude da história do Chile;, na definição do professor Claudio Fuentes, da Universidade Diego Portales.
Blumel fez o anúncio, na noite de domingo, ao fim de uma reunião mantida no Palácio de La Moneda, sede da presidência, entre Piñera e os aliados de centro e direita que integram a coalizão Chile Vamos. São justamente essas forças políticas as que mais resistiram, até o momento a qualquer iniciativa mais ampla com o propósito de rever o ordenamento jurídico. Objeto de mais de 200 alterações, que incidiram sobre 40 de seus artigos, a Constituição de 1980 consagra o modelo privatista em setores como educação, saúde e previdência. Os críticos, em especial na oposição de esquerda, se referem à Carta como a ;mãe de todas as desigualdades;.
;Qualquer mudança constitucional requer acordos amplos e profundos. Por isso, temos de convocar todos os setores, com humildade, mas também com a capacidade de dialogar;, ponderou o ministro do Interior, um dos titulares que assumiram o posto em meio à explosão social que irrompeu no fim de outubro. Inicialmente em resposta a um aumento na tarifa do metrô, o movimento tomou corpo em torno da hashtag #Chiledespertó e se estendeu para uma contestação mais ampla ao modelo socioeconômico herdado da ditadura.
;O governo começa a demonstrar algum senso de realidade;, comentou o presidente da Comissão de Constituição do Senado, Felipe Harboe, do Partido pela Democracia (PPD, centro-esquerda). O Partido Socialista, o maior da oposição, não havia comentado a iniciativa do presidente até o início da noite de ontem, assim como o Partido Comunista, que exerce influência no movimento sindical e dirige a principal organização sindicado do país, a Central Unitária dos Trabalhadores (CUT).
A abertura para um processo constituinte é parte da movimentação de Piñera na direção de negociar um pacto social que possa pôr fim à temporada de protestos, a mais ampla e profunda desde a redemocratização. Em 24 dias de manifestações, com distúrbios e saques nas principais cidades do país, foram registradas ao menos 20 mortes, cinco delas atribuídas diretamente à ação das forças de segurança.
;Qualquer mudança constitucional requer acordos amplos e profundos. Por isso, temos de convocar todos os setores, com humildade, mas também com a capacidade de dialogar;
Gonzalo Blumel, ministro do Interior do Chile
;O governo começa a demonstrar algum senso de realidade;
Felipe Harboe, dirigente do Partido pela Democracia (PPD)