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Saída por decreto

Sem acordo com o partido de Evo Morales, a presidente interina da Bolívia, Jeanine Áñez, deve firmar ordem executiva e convocar eleições. Especialistas veem manobra de alto risco. Ministro denuncia complô para assassinar a chefe de governo

postado em 19/11/2019 04:35
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Bloqueios no escoamento de combustível, de mercadorias e de produtos agrícolas até La Paz, Cochabamba e Santa Cruz de La Sierra. Rebelião política, com parlamentares do Movimento ao Socialismo (MAS) ; o partido do ex-presidente Evo Morales ; se recusando a participar das sessões na Assembleia Legislativa Plurinacional da Bolívia e emitindo repetidos ultimatos ao governo interino. Protestos reprimidos com violência pelas forças de segurança, com o registro de 23 mortes em quase um mês. Ante a pressão cada vez mais intensa dos partidos de esquerda e dos movimentos sociais sobre o governo interino de direita, cresceu a expectativa de que a presidente autodeclarada Jeanine Áñez convoque eleições por decreto. A decisão seria respaldada pela jurisprudência no mandato do também presidente interino Eduardo Rodríguez Veltzé (2005-2006). ;Se percebermos que há dificuldades para poder convocar as eleições, uma das sugestões é que convoquemos eleições imediatamente, por meio de algum outro instrumento legal;, declarou o ministro da Presidência, Jerjes Justiniano, em entrevista à Rádio Panamericana. Uma ala mais radical do MAS chegou a exigir que Áñez renunciasse até a noite de ontem, sob ameaça de impor um cerco a La Paz.

Em entrevista coletiva, o ministro de Governo, Arturo Murillo, anunciou que as autoridades descobriram um suposto complô contra Áñez, que, por motivos de segurança, suspendeu uma atividade oficial na região amazônica de Beni. ;Identificamos um grupo criminoso que deseja atentar contra a presidente; por isso, hoje (ontem) tivemos que cancelar sua viagem à terra natal; (na cidade de Trinidad, capital de Pando), disse, ao revelar que ;há gente, claro, venezuelana, cubana e colombiana metida nisso;.

Cientista político e professor radical em La Paz, Jorge Dulon afirmou ao Correio que a convocação de eleições por meio de decreto pode surtir o efeito contrário ao da pacificação. ;Áñez ainda não marcou eleições gerais porque, por uma parte, espera dar toda a legitimidade possível a esse chamado. Ela espera que o MAS participe de uma sessão legislativa conjunta, o que ainda não ocorreu;, comentou. Segundo ele, o risco de um pleito chamado por meio de decreto é o de que todas as mobilizações, movimentos sociais e conflitos latentes em distintos pontos da Bolívia se aprofundem. ;Por isso, a presidente Áñez não quis fazê-lo imediatamente e preferiu gastar todas as possibilidades, a fim de que a convocação ocorra por meio da Assembleia Legislativa Plurinacional;, acrescentou. Dulon explicou que o MAS adota a estratégia de boicotar o debate sobre as eleições, rechaçar a renúncia de Morales e conseguir que ele retorne ao país para governar. ;É muito provável que, amanhã (hoje), se anuncie o decreto para a convocação direta de eleições, levando-se em conta a jurisprudência adotada por Veltzé, em 2005.;

Negociação
De acordo com Dulon, a receita para a pacificação da Bolívia vai de encontro a dois elementos fundamentais. ;O primeiro deles é a redução da intensidade do conflito, identificando setores que provocam essa tensão e investigando se estão relacionados com grupos terroristas, como venezuelanos ou a Inteligência cubana. O segundo envolve pensar em desenvolver diálogos entre pessoas dispostas a tanto dentro do MAS;, observa. ;Seria fundamental poder firmar acordos sobre quatro demandas concretas do MAS: o salvo-conduto aos militantes e líderes estratégicos para que deixem o território boliviano; a preservação da personalidade jurídica do partido e de sua participação nas próximas eleições; a permissão a Morales para que retorne ao país e seja candidato à Presidência.; Ele disse ter certeza de que as quatro exigências serão postas à mesa de negociações, mas duvida que as duas últimas sejam cumpridas.

Por sua vez, Marcelo Arequipa ; doutor em ciência política e professor da Universidade Católica Boliviana de La Paz ; aposta que o MAS, fragmentado, tenta costurar uma negociação político-institucional capaz de viabilizar a convocação de eleições, enquanto uma parte insiste na queda do governo transitório. ;No fim das contas, acho que uma saída consertada vai se impor. A urgência em encarar um pleito pode levar à união do MAS;, afirmou. Ele também vê uma anistia aos membros do governo de Morales, eleições com participação do MAS e salvo-condutos a autoridades asiladas em embaixadas como medidas prioritárias.


Eu acho...

;A demanda pela renúncia da presidente Jeanine Áñez parte de uma setor muito específico, o dos movimentos sociais vinculados ao tema da produção de coca na região de Chapare, de Cochabamba. Outros setores do MAS devem aprovar a renúncia de Evo Morales. Na medida do possível, os simpatizantes de Evo precisam viabilizar uma saída democrática que tenha a ver com a convocação de eleições e a escolha de novos juízes do Tribunal Supremo Eleitoral.;


Jorge Dulon, cientista político e professor boliviano radicado em La Paz


Igreja Católica apela ao diálogo


Os bispos da Bolívia, em coordenação com a União Europeia e a Organização das Nações Unidas (ONU), pediram ao governo interino de Jeanine Áñez, aos partidos políticos e aos representantes da sociedade civil que iniciem um diálogo iminente para pacificar o país. ;O diálogo é a maneira apropriada de superar as diferenças entre os bolivianos;, declarou o secretário-geral da Conferência Episcopal Boliviana, Aurelio Pesoa (foto). Ele admitiu que ;realizar eleições transparentes é a melhor maneira de superar as diferenças;.


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