postado em 21/11/2019 04:06
[FOTO1]Os corpos de alguns dos oito mortos na operação militar para a retomada da central de combustíveis de Senkata eram velados em uma capela de El Alto, quando a presidente interina, Jeanine Áñez, entregava ao Senado um projeto de lei para tentar pacificar o país. O texto prevê a realização de eleições gerais em 2020, ainda sem data; a anulação do pleito de 20 de outubro; e a recomposição do Órgão Eleitoral Plurinacional (OEP) dentro de duas semanas. ;Esse projeto pode ser perfeito, gostaríamos, como governo, que seja considerado como documento-base para um consenso nacional;, declarou Áñez, em entrevista coletiva. ;Será a Assembleia Legislativa Plurinacional da Bolívia que terá o trabalho de levar adiante a eleição dos juízes da OEP e, assim, agendar um calendário eleitoral;, acrescentou. Horas antes, a mandatária tinha anunciado que convocaria, ainda na manhã de ontem, eleições gerais ; o que não ocorreu.
Também em declarações à imprensa, na Cidade do México, onde recebeu asilo, o ex-presidente Evo Morales classificou a repressão aos simpatizantes do Movimento ao Socialismo (MAS) de ;genocídio;. Até o fechamento desta edição, 32 pessoas tinham morrido durante confrontos com as forças de segurança. ;Na Bolívia, depois do golpe de Estado, temos cerca de 30 mortos. Esse massacre é parte de um genocídio que ocorre em nossa querida Bolívia;, afirmou o líder indígena. ;Estão matando meus irmãos e irmãs;, completou. Ontem, o governo interino divulgou um suposto áudio em que Morales incitava seus eleitores a manterem o cerco a várias cidades (leia nesta página).
Para Jorge Dulon, cientista político e professor radicado em La Paz, a convocação de eleições é uma saída muito adequada rumo à pacificação da Bolívia. ;A outra opção, um decreto da presidente interina para chamar o pleito e escolher as novas autoridades do Tribunal Supremo Eleitoral, não seria conveniente por representar uma medida unilateral, por desprezar o consenso da população. A atual solução é muito mais democrática e enquadrada nos regulamentos vigentes: constituir a Assembleia Legislativa Plurinacional com simpatizantes do Morales e da oposição para desenvolver o processo. Primeiro, com a votação da lei;, disse ao Correio. ;Por meio do parlamento, é muito provável que, pouco a pouco, haja a possibilidade de pacificar o país.;
O sociólogo e jornalista boliviano Adalid Contreras Baspineiro admite que o chamado a novas eleições se mostra urgente e contribuiria para baixar a tensão. ;O mais recomendável é esgotar todos os esforços para obter um acordo no Parlamento, o qual deve convocar o processo eleitoral. A convocação direta, por parte de Áñez, não seria o mais recomendável;, explicou à reportagem. Segundo ele, o Senado e a Câmara de Deputados mantinham reuniões separadas, ontem. ;No caso de terem chegado a um acordo, teriam de convocar a Assembleia, hoje, e trabalhar os textos da lei, a fim de anular as eleições de 20 de outubro, confirmar o novo órgão eleitoral e marcar um novo pleito.; A expectativa é de que todos os partidos, inclusive o MAS, participem hoje da sessão do Senado.
A decisão de Áñez ocorreu no mesmo dia em que a Organização dos Estados Americanos (OEA) aprovou uma resolução para pedir à Bolívia a ;urgente; convocação de eleições. Dos 35 países-membros, 26 votaram a favor do texto, quatro contra (México, Nicarágua, Granadinas e San Vicente), quatro abstenções e uma ausência. A resolução, apresentada por Brasil e Colômbia, exorta a Secretaria-Geral da OEA a conceder a La Paz ;todo o apoio técnico para que se dê início imediato ao processo eleitoral, em conformidade com os princípios de transparência, independência, credibilidade e confiança;.
Matança
A Procuradoria Geral da Bolívia confirmou ontem que oito pessoas morreram na terça-feira, em uma operação policial-militar em uma central de combustíveis na cidade de El Alto, vizinha a La Paz. Um balanço inicial, divulgado anteontem, informava três mortos. O Instituto Médico Legal da Procuradoria Geral anunciou, por meio de comunicado, que ;se evidencia objetivamente oito corpos;.
Pressão a partir do asilo
Enquanto simpatizantes de Evo Morales choravam os oito mortos (acima) na operação militar para retormar o controle da central de combustíveis de Senkata, em El Alto, o ministro da Presidência, Arturo Murillo, divulgou áudio no qual o ex-presidente asilado no México pede a um simpatizante que mantenha os bloqueios a várias cidades. ;Irmão, que não entre comida nas cidades, vamos bloquear. Cerco de verdade. Quando me expulsaram do Congresso, em 2002, bloquearam. Agora, me expulsam da Bolívia e há bloqueio. Vamos ganhar;, diz Morales, no suposto telefonema para o dirigente campesino Faustino Yucra Yarmi. ;A cada 24 horas vamos aguentar bloqueios. A partir de agora, será combate. Vivemos uma ditadura.;
Pontos de vista
Por Jorge Dulon
Tática de
revolta
;As denúncias de que Evo Morales estaria dando indicações para impor um cerco às cidades de La Paz e de Cochabamba, além de instruções precisas sobre táticas para efetivar o bloqueio, representam consequências muito graves ante a comunidade internacional. Isso atenta contra os direitos humanos, não apenas contra a segurança e o bem-estar de todos os bolivianos e todas as bolivianas. Também coloca em evidência algo que não estava muito claro: o objetivo central do Movimento ao Socialismo (MAS) é causar mal-estar na população, fome geral e ira, a fim de que os bolivianos se enfrentem uns aos outros.;
Cientista político e professor radicado em La Paz
Por Adalid Contreras Baspinero
Medidas de
pacificação
;Toda morte, seja do lado que for, é condenável. Uma condição para a pacificação é freiar a violência. Para isso, o governo tem de revogar o decreto que ampara as ações de força dos militares. E os bloqueadores também precisam levantar as medidas. Ambas as frentes devem tomar iniciativas, não apenas uma delas. O país pedindo, aos gritos, a pacificação.;
Sociólogo e jornalista boliviano