postado em 23/11/2019 04:35
[FOTO1]Brasil em focona Palestina
Há mais implicações, além das relacionadas imediatamente a Cuba, no voto inédito do Brasil contra a resolução que, anualmente, condena no Conselho de Segurança da ONU o bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos à ilha. Mais diretamemte: a novidade neste ano, na Assembleia-Geral, foi que um país se juntou a EUA e Israel, os únicos que tinham votado contra a resolução em 2018. E foi o Brasil de Bolsonaro. O voto inédito selou mais do que a adesão a uma posição no mínimo discutível em uma questão que há décadas divide a comunidade internacional. Ao se alinhar com Washington e Tel Aviv ; já que, no âmbito da ONU, essa é a cidade aceita como sede do governo israelense ;, o governo Bolsonaro atrelou a diplomacia brasileira a um rumo que a coloca em desacordo com uma gama ampla de parceiros tradicionais, começando pela Europa.
A situação ganhou complexidade adicional com a recente guinada do governo Donald Trump na direção de não mais considerar ilegais as colônias estabelecidas por Israel no território palestino da Cisjordânia. O anúncio é visto, por quem acompanha o cenário convulsionado do Oriente Médio, como a antessala para o aval à anexação de uma porção estratégica e considerável da região, como anunciado em campanha pelo premiê de Israel, Benjamin Netanyahu.
A questão colocada, à vista da posição adotada pelos dois países, é: o Brasil do governo Bolsonaro seguiria os EUA no reconhecimento da anexação por Israel de um terço da Cisjordânia? O passo equivale a sepultar a esperança na chamada ;solução de dois Estados; para o conflito, com o estabelecimento de uma Palestina independente lado a lado com Israel. Sem as áreas cobertas pelo plano de anexação anunciado por Netanyahu, e de certa maneira avalizado por Trump, não haverá Estado palestino viável.
Ano que vem...
A próxima dúvida, nos meios diplomáticos, é quanto à anunciada a transferência da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, um troféu cobiçado avidamente por Israel na campanha para consolidar como fato consumado a anexação do setor oriental (árabe) da cidade, reclamado pelos palestinos como capital de um futuro Estado independente. Em campanha e durante a transição de governo, Jair Bolsonaro acenou claramente com a possibilidade. Chegou a animar a campanha do premiê israelense, Benjamin Netanyahu, para a eleição de março, na qual pretendia romper o impasse político criado em Israel e conquistar maioria clara para o bloco de direita sob sua liderança.
Em maio de 2018. quando Trump transferiu para a disputada Jerusalém a sede diplomática dos EUA, sob protestos dos palestinos, o gesto parecia isolado ; e, mesmo assim, Netanyahu festejou-o como se fosse ;apenas o primeiro;. A eleição de Bolsonaro, em outubro, alentou esperanças de uma virada favorável na América Latina, uma espécie de contramaré, depois de Lula ter comandado, no fim de 2014, o reconhecimento do Estado palestino por quase todos os países da região, com exceções pontuais e compreensíveis. Era, por exemplo, o caso da Colômbia, principal aliado e cliente de ajuda militar americana e um dos poucos países da região que não acompanharam a posição brasileira.
Com a mudança dos ventos na vizinhança, na qual o Brasil joga papel central, a expectativa é pela posição que os governos de direita e centro-direita, alinhados à política externa dos Estados Unidos, em maior ou menor grau, adotarão diante da nova abordagem de Israel para o conflito com os palestinos.
Encruzilhada
A safra de inquietações políticas na América do Sul colocam na berlinda, uma vez mais, os rumos do processo de integração regional. Na década passada, em situações similares, coube à Unasul coordenar respostas em âmbito local para as crises, com a suficiente eficácia para dispensar a intervenção de atores externos ; leia-se, os Estados Unidos. Com a desmontagem da Unasul pela nova safra de governos de direita, encabeçada pelos de Mauricio Macri, na Argentina, e Jair Bolsonaro, no Brasil, o centro de gravidade das articulações diplomáticas na vizinhança deslocou-se para o Grupo de Lima.
Formada originalmente para coordenar a pressão externa sobre o governo chavista da Venezuela, essa articulação algo fluida manifestou-se prontamente em apoio ao presidente do Equador, Lenín Moreno, quando confrontado com manifestações contra a alta dos combustíveis. Não se pronunciou, porém, sobre a escalada de protestos no Chile, com saldo de mais de 20 mortos, nem sobre os conflitos na Bolívia após a anulação da eleição presidencial e a renúncia forçada de Evo Morales.
Sem um mecanismo próprio e consensual de concertação política, a América do Sul transmite paulatinamente para a Organização dos Estados Americanos (OEA), com sede em Washington, o foro para a mediação e a arbitragem dos conflitos internos, quando esboçam algum desdobramento além-fronteiras.