postado em 02/12/2019 04:15
[FOTO1]Muitos tombaram, atingidos por disparos, algumas vezes à queima-roupa, enquanto fugiam. Outros foram alvos de franco-atiradores que se esgueiravam no alto de prédios, incluindo um edifício do Ministério da Justiça. Ou foram perseguidos pelos agentes à paisana da Basij, uma força paramilitar a serviço do regime. Até o fechamento desta edição, o número de manifestantes iranianos mortos pela repressão chegava a 161 desde 15 de novembro. O que começou como um protesto contra a alta de 200% no preço dos combustíveis se espalhou rapidamente para mais de 100 localidades de 10 províncias do Irã e se transformou em um grito contra o sistema teocrático dos aiatolás. Mais do que isso, um clamor por liberdade e democracia.
Para ocultar os abusos de direitos humanos e tentar abafar a mais importante convulsão social em quatro décadas, desde a Revolução Islâmica de 1979, Teerã impôs um bloqueio sem precedentes à internet. O governo do presidente Hassan Rohani anunciou a prisão de oito pessoas supostamente vinculadas à norte-americana Agência Central de Inteligência (CIA) e envolvidas nos protestos. O aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã, denunciou uma ;conspiração muito perigosa;. ;A população frustrou uma conspiração muito perigosa na qual se gastou muito dinheiro para destruir, viciar e matar gente;, afirmou, na última quarta-feira.
Para Kenneth Roth, diretor executivo da organização não governamental Human Rights Watch (HRW), as autoridades iranianas responderam aos protestos do mesmo modo que governam: ;com flagrante desrespeito aos direitos humanos;. Ele lembra que, além do assassinato de mais de 160 manifestantes, os grupos de direitos humanos estimam que as forças de segurança prenderam 7 mil pessoas. ;Para prevenir as comunicações entre os manifestantes e as denúncias sobre a repressão, as autoridades fecharam a internet e ainda não a restauraram por completo. O acesso por celulares é particularmente escasso;, afirmou ao Correio.
Cofundador da organização não governamental Middle East Human Rights Center (Mehr) e hoje exilado em Toronto, o iraniano Siavosh Bahman explicou à reportagem que ;a má administração e a corrupção, tão desenfreadas na República Islâmica, são as principais raízes; da insatisfação social. ;Apesar de ter um valor patrimonial bastante alto devido à existência de muitos recursos naturais, o regime transfere muito de sua riqueza para Síria, Palestina, Iêmen e Líbano, a fim de apoiar grupos terroristas;, lembrou.
Violações
Durante os protestos, a multidão entoava ;Nosso dinheiro está perdido, desperdiçado na Palestina; e ;Nem Gaza, nem Líbano, nossa vida pelo Irã;. ;Isso indica uma raiva generalizada em relação a um regime que gasta bilhões de dólares em guerras regionais por procuração, em vez de investir o montante na economia nacional. Além desses fatores, o meu povo tem sofrido violações sistemáticas de direitos humanos por 40 anos. Não ter acesso a direitos humanos básicos, como liberdades de expressão, de associação, de reunião e de religião é algo que coloca as pessoas sob mais pressão e as atrai às ruas;, comentou Bahman.
O desafio ao aiatolá Ali Khamenei ficou explícito nos cânticos ensaiados pelos manifestantes em várias cidades: ;Que erro cometemos ao fazer parte da revolução; e ;Tragam de volta o xá;. Segundo Bahman, os iranianos reconhecem que a eleição de clérigos para dirigirem o país e uma legislação baseada na sharia (lei islâmica) foram um erro ocorrido durante a revolução de 1979.
Por várias vezes, Salman Sima esteve preso e foi torturado por seu ativismo em prol dos direitos humanos. Em duas ocasiões, o iraniano nascido em Zanjan (300km a oeste de Teerã) fez greve de fome para tentar sensibilizar as autoridades de seu país. ;O povo iraniano, em especial aqueles nascidos depois de 1980, está farto das ineficiências e da corrupção da teocracia anti-Ocidente. Ainda que os protestos tenham se iniciado com a alta dos combustíveis como uma justificativa, a sociedade iraniana tem se mostrado como uma panela de pressão prestes a explodir;, comparou, em entrevista pela internet. ;A inaptidão do regime, associada às guerras caras em pelo menos três países, e sua insistência em adquirir armas nucleares, apesar das sanções, empurraram a maioria dos cidadãos para abaixo da linha de probreza extrema. A falta de liberdade e o fato de testemunharem a revolta no Iraque também motivaram os iranianos a se manifestarem.;
Mordaça digital
Em 15 de novembro, enquanto transcorriam os protestos, o acesso à maior rede de computadores do mundo foi interrompido no Irã. De acordo com a organização não governamental Netblocks, que trabalha em prol dos direitos digitais, no dia 16, ocorreu um blecaute total da internet no país. Por vários dias, a conectividade no Irã foi de apenas 5% e chegou a 64% uma semana depois, para usuários dotados de sistema wi-fi. Muitas das redes sociais permaneceram bloqueadas, em alinhamento com a política iraniana, ainda que o acesso seja possível usando o software VPN. ;Com mais de 300 redes interrompidas, o desligamento da internet no Irã é um dos mais complexos que já rastreamos;, afirmou Alp Toker, fundador e diretor da Netblocks.
Pontos de vista
Por Siavosh Bahman
Desejo de reforma
;Desde janeiro do ano passado, todos os protestos ocorreram em rejeição à totalidade da República Islâmica. Os manifestantes entoaram frases, como ;40 anos de ditadura são suficientes; ou ;Morte ao ditador;. Isso mostra como eles estão frustrados com o regime e desejam qualquer ;reforma;. Os iranianos querem se distanciar do atual sistema teocrático para um secular e restabelecer a liberdade e a forte economia que tinham antes da revolução de 1979, durante a monarquia do xá Reza Pahlavi.;
Cofundador da organização não governamental Middle East Human Rights Center (Mehr) e morador de Toronto
Por Salman Sima
Prontos para a democracia
;Na era da internet e da globalização, os jovens bem educados da comunidade iraniana têm se mostrado prontos para a democracia há bastante tempo. O que os impede de fruir da democracia são os petrodólares, que alimentam a máquina de repressão. Com as recentes sanções e a pressão internacional, e também ante a resistência enfrentada em todo o Oriente Médio, os iranianos encontraram um novo espaço para expressar os seus desejos.;
Ex-prisioneiro político iraniano, fez greve de fome por duas vezes. Nascido em Zanjan, 300km a oeste de Teerã, é especialista em Irã