Na cúpula de celebração do 70; aniversário da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a falta de harmonia entre seus integrantes saltava aos olhos, mesmo antes do início da reunião. No início do mês passado, o presidente da França, Emmanuel Macron, atraiu duras críticas ao afirmar que a Aliança Atlântica está em ;morte cerebral;, declaração que repetiu ontem ao conceder uma entrevista ao lado do líder dos Estados Unidos, Donald Trump, que classificou a fala como ;muito ofensiva;.
Macron voltou a bater de frente com o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, por conta da ofensiva de Ancara contra as milícias curdas das Unidades de Proteção Popular (YPG), chave na luta contra o grupo radical Estado Islâmico. Erdogan, por sua vez, ameaçou vetar as decisões da Otan, desde que o YPG não seja reconhecido como ;terrorista;.
;A Otan serve a um grande propósito;, defendeu Donald Trump, para quem Macron foi ;muito insultante;, com uma declaração ;muito, muito desagradável; para os aliados. ;Ninguém precisa mais da Otan do que a França;, assinalou o presidente dos Estados Unidos ao se encontrar com o secretário-geral da Aliança, o norueguês Jens Stoltenberg.
;Minha declaração provocou a reação de muitas pessoas, mas eu a mantenho;, disse o francês, mais tarde, ao lado do norte-americano. ;Quando se olha para o que deveria ser a Otan, vemos pela primeira vez a mudança no peso (de financiamento) e o presidente Trump já recordou isso;, disse Macron. ;Mas quando falamos sobre a Otan, não se trata apenas de dinheiro;, acrescentou.
Estratégias
A França defende uma reforma na estratégia da Otan, em um contexto de crescimento militar da China e ataques de grupos extremistas, razão pela qual Paris está preocupada com a ofensiva da Turquia no norte da Síria. Na polêmica entrevista ao The Economist, em que denunciou a ;morte cerebral; da Aliança, ele citou a ofensiva de Ancara contra as milícias curdas, que atuam na luta contra o Estado Islâmico (EI). ;Quando olho para a Turquia, eles agora estão lutando contra aqueles que lutaram junto a nós. E, às vezes, trabalham com intermediários do EI;, acusou ontem o francês, para quem ele e Trump não têm ;a mesma definição de terrorismo sobre a mesa;.
Mais tarde, numa reunião, com a presença do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, e a chanceler alemã, Angela Merkel, Erdogan e Macron concordaram que a prioridade é lutar contra o grupo extremista. ;Nem todos os esclarecimentos foram obtidos, nem todas as ambiguidades foram resolvidas;, ressalvou Macron, para quem não se deve ;misturar as situações; em relação a associações terroristas.
Apesar das críticas e da disputa comercial em relação ao imposto francês sobre o setor digital, Trump adotou uma postura mais conciliatória com Macron sobre a estratégia da Otan. O chefe da Casa Branca defendeu examinar, por exemplo, desafios como ;o enorme crescimento da China;.
Gastos
Isso não quer dizer que Trump deixou de lado a questão do financiamento da Otan. O presidente dos Estados Unidos, o primeiro poder da Otan e cujos gastos militares nacionais atingiram 3,30% do PIB no ano passado, elogiou os esforços dos aliados para aumentar os repasses para o organismo. Mas a pressão por aumento de gastos será retomada.
Na avaliação do líder americano, os processos para elevação dos investimentos estão ;morosos;. Segundo dados da Otan, apenas nove de seus 29 membros atingiram 2% do PIB este ano em gastos militares, meta prometida para até 2024. Trump apontou como exemplo a Alemanha, primeira economia europeia, que vai atingir 1,38% do PIB em 2019, bem como os que menos gastam, numa referência a Luxemburgo (0,56%) e a Espanha (0,92% ).
Promessa de cooperação
A Rússia está pronta para cooperar com a Otan, apesar de seu comportamento ;grosseiro;, declarou o presidente Vladimir Putin. ;Nós expressamos, em várias ocasiões, a nossa vontade de cooperar com a Otan, sobre ameaças reais, como o terrorismo internacional, os conflitos amardos locais e o perigo da proliferação de armas de destruição em massa;, disse o chefe de Estado, citado por agências de notícias. Putin ressaltou que essa cooperação se daria apesar do comportamento ;pouco correto, ou mesmo grosseiro; da Otan em relação a Moscou.