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A segurança em troca de benefício próprio

Democratas do Comitê Judicial da Câmara dos Representantes acusam Trump de colocar integridade nacional em risco para obter a reeleição em 2020. Especialistas em direito constitucional depõem em audiência e admitem motivos para impeachment

postado em 05/12/2019 04:15
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No calor do relatório do Comitê de Inteligência da Câmara dos Representantes, o Congresso norte-americano começou, ontem, os debates jurídicos sobre o processo de impeachment do presidente Donald Trump. Os democratas acusaram o magnata republicano de tentar comprometer a segurança nacional para favorecer a vitória nas eleições de 3 de novembro de 2020. O primeiro dia de audiências no Comitê Judicial da casa foi marcado pelos depoimentos de quatro especialistas em direito constitucional: Noah Feldman (Universidade de Harvard), Pamela Karlan (Universidade de Stanford), Michael Gerhardt (Universidade da Carolina do Norte) e Johnathan Turley (Universidade de George Washington). À exceção de Turley, convidado pelos legisladores governistas, os demais professores admitiram a existência de bases para o impeachment.

;Trump direta e explicitamente provocou interferência estrangeira em nossas eleições. Ele estava disposto a comprometer nossa segurança e sua posição para benefícios pessoais e políticos;, afirmou Jerry Nadler, chefe do Comitê Judicial, na abertura da audiência pública. O presidente teria pedido ao colega ucraniano, Volodimir Zelenski, para que investigasse Hunter Biden, filho do democrata Joe Biden, potencial rival de Trump nas eleições. ;Ele usou os poderes de seu gabinete para tentar alcançar seu objetivo. Ele enviou seus emissários para deixar claro que era isso que ele queria.;

Durante a audiência pública, Feldman declarou que a solicitação de Trump a Zelenski deve ser considerada um abuso de poder, por ter envolvido ajuda militar à Ucrânia. ;Isso significa que não foi apenas um abuso de poder, porque o presidente estava servindo a seus interesses pessoais, mas também um abuso de poder na medida em que o presidente estava colocando os interesses da segurança nacional americana atrás de seus próprios interesses;, comentou, ao citar ;autoganho; e ;subcotação de nossos interesses de segurança nacional;. Ele advertiu que qualquer interferência externa nas eleições norte-americanas é ;um desastre;.

Democracia

Pamela Karlan concordou com o colega e advertiu que ;envolver um governo estrangeiro em nosso processo eleitoral é um abuso de poder particularmente sério, porque enfraquece a democracia;. O deputado republicano Doug Collins, número dois do Comitê Judicial, tachou a investigação para impeachment de ;farsa; e indicou que os democratas organizam um ;golpe de Estado;. ;Estamos fazendo um julgamento político sem fatos.; Por sua vez, Michael Gerhardt opinou que, se o Congresso não remover Trump, ;o processo de destituição terá perdido seu significado, assim como as garantias constitucionais destinadas a impedir a instalação de um rei em solo americano;. ;Se o que estamos falando não é digno de impeachment, então nada é digno de impeachment;, disparou. A única voz dissoante foi de Turley, para quem as provas reunidas até o momento são as menos expressivas de um processo de impeachment.

Em entrevista ao Correio, Roland Riopelle, ex-procurador federal para o Distrito Sul de Nova York, disse acreditar que as evidências reunidas até o momento ;são bastante fortes de que Trump cometeu crimes dignos de impeachment;. ;O presidente impediu assessores de depor. Conseguir o testemunho por intimação provavelmente levaria muitos meses de processo judicial. Não acho que vale a pena adiar uma votação de impeachment por conta dessas evidências;, explicou.

Allam Lichtman, professor da America University (em Washington), admite que, além do telefonema direto para Zelenski, Trump se engajou em uma longa campanha para convencer a Ucrânia a trapacear as eleições de 2020. ;O relatório do Comitê de Inteligência demonstra que o presidente colocou em risco a integridade de um aliado vulnerável, avançou a agenda expansionista da Rússia e comprometeu a segurança nacional, em troca de ganhos políticos pessoais. Também aponta que ele cometeu obstrução de Justiça de forma mais grave do que a praticada por Richard Nixon durante o escândalo Watergate;, disse à reportagem.


;É uma piada;, reage o magnata
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse que o relatório apresentado pelos democratas no âmbito da investigação com vistas a um recall é uma ;piada; e criticou a audiência realizada no Congresso. ;O que eles estão fazendo é uma coisa muito ruim para o nosso país;, disse o republicano, ao ser questionado sobre o relatório do Comitê de Inteligência da Câmara dos Representantes, divulgado na terça-feira. ;É uma piada;, disse ele, durante uma reunião no Reino Unido com o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte.


"Seria um desastre para o funcionamento de nossa democracia se nossos presidentes regularmente, como fez este presidente, pedissem a governos estrangeiros que interferissem em nosso processo eleitoral;
Noah Feldman, professor da Universidade de Harvard


"Envolver um governo estrangeiro em nosso processo eleitoral é um abuso de poder particularmente sério porque enfraquece a democracia;
Pamela Karlan, professora da Universidade de Stanford


"Se o Congresso não destituí-lo, o processo de destituição terá perdido seu significado, assim como as garantias constitucionais destinadas a impedir a instalação de um rei em solo americano;
Michael Gerhardt, professor da Universidade da Carolina do Norte


"Se a Câmara prosseguir apenas com as alegações ucranianas, esse impeachment se destacaria entre os mais rápidos, com menor registro probatório e com os os motivos mais estreitos;
Jonathan Turley, professor da Universidade George Washington


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