Quinze mil brasileiros, distribuídos pelas 27 unidades da Federação, participarão de uma trabalho científico histórico no país. Eles terão o genoma sequenciado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) ; um trabalho que permitirá a esses e a outros cientistas entenderem melhor de onde vieram nossos ancestrais e quais variações genéticas estão ligadas a características da nossa população, incluindo as ligadas a doenças mais prevalentes.
O projeto, batizado de DNA do Brasil, será liderado por Lygia da Veiga Pereira, professora titular de genética da USP, e contará com a parceria do Grupo Dasa de laboratórios. A cientista brasileira chama a atenção para a falta de um banco genético com abrangência nacional da população brasileira. Segundo ela, cerca de 80% dos dados disponíveis são de população caucasiana, branca.
;Essa falta de diversidade tem dois problemas. O primeiro é a questão ética da desigualdade. Para quem estamos desenvolvendo medicina de precisão se só estão sendo considerados alguns grupos populacionais nos estudos?;, destaca. ;O segundo é que se perde uma oportunidade de fazer descobertas importantes ao não estudar populações diferentes.;
As 15 mil pessoas que terão o genoma sequenciados fazem parte do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa), maior pesquisa epidemiológica do Brasil. Elas têm entre 35 e 74 anos e vêm sendo acompanhadas desde 2008 com exames e entrevistas sobre suas condições de saúde e seus hábitos.
Lygia da Veiga Pereira explica que, com esse público, é possível sequenciar uma amostra representativa e considerar outros indicadores já avaliados, o que amplia a possibilidade de análise das informações genéticas. ;Não adianta sequenciar qualquer pessoa. É melhor que seja feito o sequenciamento de pessoas já caracterizadas clinicamente, ou seja, com dados colhidos de indicadores, como pressão arterial, glicose, coisas que podem ser relacionadas com os dados genômicos;, explica.
Há ainda a possibilidade de, ao conhecer as principais variações genéticas da população brasileira, melhorar a interpretação de testes genéticos. ;É importante saber quais variantes são mais comuns para fazer uma análise mais precisa desses exames;, diz Lygia da Veiga Pereira.
Diretor médico do Grupo Dasa, Gustavo Campana ressalta que os dados também poderão auxiliar na predição de doenças. ;Com os indicadores clínicos, conseguimos estabelecer um score de risco para determinadas doenças e condições. Quando tivermos uma melhor arquitetura do genoma do brasileiro, poderemos utilizar isso para criar um score de risco poligênico e, assim, definir os grupos de maior risco e as ações direcionadas a eles;, afirma.
Livre acesso
A previsão é de que o sequenciamento genético das 15 mil pessoas seja concluído em até dois anos. Para isso, os pesquisadores dependem de financiamento e consentimento dos participantes do Elsa em ter os dados genômicos analisados ; o sangue, a ser usado no sequenciamento, já foi colhido para outras análises.
A Dasa investiu US$ 2,5 milhões (R$ 10,3 milhões) para a primeira fase do projeto, em que serão feitos 3 mil sequenciamentos. Esse trabalho deve ser concluído até o fim do primeiro semestre de 2020. ;Nossa participação nesse projeto está totalmente alinhada com o propósito da companhia de transformar a saúde da população brasileira por meio da medicina de precisão, e reforça a estratégia da interação entre as iniciativas pública e privada para o fomento da pesquisa científica brasileira;, afirma o presidente do Conselho da Dasa, Romeu Domingues.
Os pesquisadores da USP buscam financiamento para os 12 mil sequenciamentos restantes. Os resultados do projeto DNA do Brasil serão disponibilizados para uso de qualquer grupo de pesquisa, segundo a líder do estudo. ;Os dados serão anonimizados, mas os resultados coletivos serão abertos. Quanto mais gente fazendo pesquisa nesse tema, melhor;, justifica.
Também em outros países
O projeto segue iniciativas similares desenvolvidas em outros países. Inglaterra, Estados Unidos, Cingapura e Coreia do Sul têm investido no sequenciamento do genoma de parte da sua população justamente para saber as variações genéticas mais prevalentes. Na Inglaterra, pioneira nesse tipo de projeto, foram sequenciados genomas de 100 mil pessoas. Estados Unidos, China e Coreia do Sul querem chegar à marca de 1 milhão de sequenciamentos cada.