postado em 17/12/2019 04:17
[FOTO1]As manifestações contra a polêmica Lei de Emenda da Cidadania (CAB), que facilita o acesso à nacionalidade de pessoas em situação ilegal na Índia, ganham cada vez mais força no país, transformando-se num desafio para o governo. Aprovada há seis dias pelo Parlamento, controlado pelos aliados do primeiro-ministro hinduísta Narendra Modi, a medida exclui os muçulmanos do benefício, o que provocou uma onda de repúdio. Ontem, houve protestos de norte a sul do país, organizados, principalmente, por universitários islâmicos.
Para a maioria dos críticos, a nova lei responde à vontade do poder nacionalista hindu de marginalizar a minoria muçulmana no país, que representa cerca de 200 milhões dos 1,3 bilhão de habitantes. Os protestos, iniciados de forma tímida, estão cada vez maiores e mais violentos.
No nordeste da Índia, berço do movimento, seis pessoas morreram nos últimos dias. Na Universidade de Jamia Millia Islamia, em Nova Délhi, houve confrontos no domingo entre manifestantes e as forças de segurança. A reitoria exigiu que se investigue como os agentes conseguiram entrar no câmpus. ;Não é de se esperar que a polícia entre na universidade e espanque os estudantes;, disse o vice-reitora, Najma Akhtar.
Os jovens muçulmanos voltaram ontem às ruas, não só em Nova Délhi, mas em Chennai, Bangalore e Lucknow. Nessa última cidade, centenas de estudantes atiraram pedras contra a polícia que se protegia atrás de um muro, segundo imagens transmitidas pela televisão. Em Calcutá, capital do estado de Bengala Ocidental, milhares de pessoas participaram de uma grande marcha convocada pela chefe da executiva local Mamata Banerjee (oposição).
Em Kerala, no sul, também controlada pelos adversários políticos do governo, várias centenas de pessoas se concentraram para protestar. O opositor Rahul Gandhi, cujo Partido do Congresso perde para os nacionalistas hindus nas pesquisas, chamou a lei de ;arma de polarização em massa lançada por fascistas na Índia;.
;Interesses ocultos;
Narendra Modi se manifestou por uma rede social, atribuindo a mobilização a ;grupos com interesses ocultos que buscam semear a divisão;. O premiê afirmou ainda que a nova lei reflete ;a cultura multissecular de aceitação, harmonia, compaixão e fraternidade da Índia;. Para conter a reação popular, o governo decretou o corte da internet e o toque de recolher em algumas áreas, sobretudo em Guwahati, maior cidade do estado de Assam e epicentro das tensões.
Segundo a lei aprovada pelo Parlamento na semana passada, integrantes de minorias religiosas, como hindus e cristãos, vindos de países vizinhos como Bangladesh, Paquistão e Afeganistão e que se estabeleceram na Índia antes de 31 de dezembro de 2014, poderão pleitear cidadania por enfrentarem perseguição nos seus lugares de origem. No entanto, não oferece a mesma proteção para muçulmanos.
Para os críticos, isso enfraquece os fundamentos seculares indianos, ao contrário do que assevera Modi. Várias organizações e um partido muçulmano levaram a lei ao Supremo Tribunal, justificando que ela é contrária à Constituição indiana e às tradições democráticas do país. A parcela muçulmana da Índia, equivalente a 14% da população, se manteve quieta diante de outras medidas promovidas por Modi, mas, desta vez, não se intimidou.
O nordeste pobre da Índia, um mosaico de povos e grupos étnicos, é uma região onde há confrontos frequentes entre comunidades. A imigração é uma questão muito sensível para as comunidades originárias, principalmente devido à proximidade de Bangladesh. Os manifestantes temem que a lei provoque um fluxo migratório de refugiados hindus do país vizinho.
200 milhões
Número estimado de muçulmanos que vivem em território indiano, representando cerca de 14% da população